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PLANO DE AULA TEXTO PUBLICITÁRIO.


PLANO DE AULA. 

CONTEÚDO:

TEXTO PUBLICITÁRIO,
INTERPRETAÇÃO DE TEXTO.


1º AULA.


OBJETIVO: CONHECER E EXPLORAR ESSE TIPO DE GÊNERO TEXTUAL.

TRABALHAR O TEXTO ABAIXO:
TEXTO RETIRADO DO LIVRO: A AVENTURA DA LINGUAGEM 4º ANO.
                  

ATIVIDADE SOBRE O TEXTO:

1- NESSE CONJUNTO DE TEXTO E IMAGEM O QUE MAIS CHAMA A ATENÇÃO? EXPLIQUE.

2- ESSA PROPAGANDA APRESENTA UM SLOGAN EM LETRAS GRANDES: "NÃO DEIXE A NATUREZA IR EMBORA". QUAL É A INTENÇÃO DO AUTOR AO USAR ESSE SLOGAN?

3- A IMAGEM QUE ILUSTRA O TEXTO É A DE UM SAPO SUBINDO POR UMA CORDA. O QUE ESSA IMAGEM SUGERE?

4- NO TEXTO DA PROPAGANDA, O AUTOR AFIRMA QUE PÁSSAROS, PLANTAS E ANIMAIS ESTÃO FICANDO RESTRITOS A PEQUENAS MANCHAS VERDES. O QUE ELE QUER DIZER COM A EXPRESSÃO "PEQUENAS MANCHAS VERDES"?

5- SEGUNDO O AUTOR, NOSSO OXIGÊNIO TAMBÉM ESTÁ INDO EMBORA. POR QUE ELE CHAMA TAL FATO DE UM "ADEUS INVISÍVEL, MAS SENSÍVEL"?

6- SEGUNDO O TEXTO, COMO VOCÊ PODE AJUDAR A REVERTER O PROBLEMA DO DESMATAMENTO?

7- A ATITUDE A SER TOMADA É SIMPLES. O AUTOR DEMONSTRA ISSO ATRAVÉS DE DETERMINADAS PALAVRAS. QUAIS SÃO ELAS?

8- QUE OBJETIVO O AUTOR PRETENDE ATINGIR COM ESSA PROPAGANDA?

RESPOSTAS:

1- POSSIVELMENTE A RESPOSTA SERÁ A IMAGEM, TANTO PELO ESPAÇO OCUPADO, COMO PELA FORMA COMO O SAPO ESTÁ REPRESENTADO.

2- A INTEÇÃO É MOSTRAR QUE, SE O HOMEM CONTINUAR DESRESPEITANDO OS RECURSOS NATURAIS COMO VEM FAZENDO, A NATUREZA DESAPARECERÁ, COMO O SAPO QUE ESTÁ INDO EMBORA. 

3- O SAPO VIVE TANTO NA ÁGUA, COMO NA TERRA. MAS TANTO UMA QUANTO A OUTRA ESTÃO SENDO DEVASTADAS PELA AÇÃO DO HOMEM. O SAPO NA CORDA SUGERE A IMAGEM DE FUGA, OU QUE ELE ESTÁ NA "CORDA BAMBA", OU SEJA, AMEAÇADO DE EXTINÇÃO.

4- A EXPRESSÃO "PEQUENAS MANCHAS VERDES" SUGERE QUE AS FLORESTAS E BOSQUES, ONDE VIVEM OS ANIMAIS E PÁSSAROS, ESTÃO DIMINUINDO E AS PLANTAS ESTÃO DESAPARECENDO.

5- O ADEUS É INVISÍVEL COMO O AR E SENSÍVEL PORQUE PODEMOS SENTIR OS EFEITOS DESSE ADEUS, TANTO NA PAISAGEM QUANTO NA SAÚDE DAS PESSOAS. 

6- ENTRANDO NO SITE INDICADO PARA QUE UMA ÁRVORE SEJA PLANTADA.

7- AS PALAVRAS SÃO "FACILMENTE" E "GRATUITAMENTE" .

8- PRESERVAR O VERDE, ATRAVÉS DA CAMPANHA PUBLICITÁRIA.


2º AULA. 

CONTEÚDO: TEXTOS PUBLICITÁRIOS.

OBJETIVO: EXPLORAR A ORALIDADE E A PARTICIPAÇÃO DA TURMA SOBRE O TEMA PESQUISADO.
DISCUTIR SOBRE OS ANÚNCIOS PESQUISADOS.

3ª AULA.

CONTEÚDO: TEXTOS PUBLICITÁRIOS.

OBJETIVO: TRABALHAR A CRIATIVIDADE DOS ALUNOS E AVALIAR OS CONHECIMENTOS ADQUIRIDOS DURANTE AS AULAS. 
PROPOR AOS ALUNOS A ELABORAÇÃO DE UM ANÚNCIO COM O OBJETIVO DE DIVULGAR UM PRODUTO.
APRENDER A TRABALHAR EM GRUPO.
EXPLORAR A ORALIDADE DO GRUPO.

CADA GRUPO IRÁ CONFECCIONAR O SEU ANÚNCIO, CRIAR SEU SLOGAN E APRESENTAR PARA A TURMA. 

ABAIXO AS FOTOS DE COMO FOI ESSE 3º DIA DE TRABALHO COM ESSE TEMA E A APRESENTAÇÃO DOS GRUPOS. 

MAIS UM TRABALHO REALIZADO COM MUITO AMOR POR TODOS OS MEUS ALUNOS DO 4º ANO. PARABÉNS MEUS ANJOS. VOCÊS FORAM D++++++++++++++.

AGORA É HORA DE APRECIAR... 

PARA GOSTAR DE LER... CRÔNICA

O PRAZER DA LEITURA
Rubem Alves

Alfabetizar é ensinar a ler. A palavra alfabetizar vem de “alfabeto“. “Alfabeto“ é o conjunto das letras de uma língua, colocadas numa certa ordem. É a mesma coisa que “abecedário“. A palavra “alfabeto“ é formada com as duas primeiras letras do alfabeto grego: “alfa“ e “beta“. E “abecedário“, com a junção das quatro primeiras letras do nosso alfabeto: “a“, “b“, “c“ e “d“. Assim sendo, pensei a possibilidade engraçada de que “abecedarizar“, palavra inexistente, pudesse ser sinônima de “alfabetizar“...

“Alfabetizar“, palavra aparentemente inocente, contém uma teoria de como se aprende a ler. Aprende-se a ler aprendendo-se as letras do alfabeto. Primeiro as letras. Depois, juntando-se as letras, as sílabas. Depois, juntando-se as sílabas, aparecem as palavras...

E assim era. Lembro-me da criançada repetindo em coro, sob a regência da professora: “be a ba; be e be; be i bi; be o bo; be u bu“... Estou olhando para um cartão postal, miniatura de um dos cartazes que antigamente se usavam como tema de redação: uma menina cacheada, deitada de bruços sobre um divã, queixo apoiado na mão, tendo à sua frente um livro aberto onde se vê “fa“, “fe“, “fi“, “fo“, “fu“... (Centro de Referência do Professor, Centro de Memória, Praça da Liberdade, Belo Horizonte, MG.)

Se é assim que se ensina a ler, ensinando as letras, imagino que o ensino da música deveria se chamar “dorremizar“: aprender o dó, o ré, o mi... Juntam-se as notas e a música aparece! Posso imaginar, então, uma aula de iniciação musical em que os alunos ficassem repetindo as notas, sob a regência da professora, na esperança de que, da repetição das notas, a música aparecesse...

Todo mundo sabe que não é assim que se ensina música. A mãe pega o nenezinho e o embala, cantando uma canção de ninar. E o nenezinho entende a canção. O que o nenezinho ouve é a música, e não cada nota, separadamente! E a evidência da sua compreensão está no fato de que ele se tranquiliza e dorme – mesmo nada sabendo sobre notas! Eu aprendi a gostar de música clássica muito antes de saber as notas: minha mãe as tocava ao piano e elas ficaram gravadas na minha cabeça. Somente depois, já fascinado pela música, fui aprender as notas – porque queria tocar piano. A aprendizagem da música começa como percepção de uma totalidade – e nunca com o conhecimento das partes.

Isso é verdadeiro também sobre aprender a ler. Tudo começa quando a criança fica fascinada com as coisas maravilhosas que moram dentro do livro. Não são as letras, as sílabas e as palavras que fascinam. É a estória. A aprendizagem da leitura começa antes da aprendizagem das letras: quando alguém lê e a criança escuta com prazer. “Erotizada“ – sim, erotizada! – pelas delícias da leitura ouvida, a criança se volta para aqueles sinais misteriosos chamados letras. Deseja decifrá-los, compreendê-los – porque eles são a chave que abre o mundo das delícias que moram no livro! Deseja autonomia: ser capaz de chegar ao prazer do texto sem precisar da mediação da pessoa que o está lendo.

No primeiro momento as delícias do texto se encontram na fala do professor. Usando uma sugestão de Melanie Klein, o professor, no ato de ler para os seus alunos, é o “seio bom“, o mediador que liga o aluno ao prazer do texto. Confesso nunca ter tido prazer algum em aulas de gramática ou de análise sintática. Não foi nelas que aprendi as delícias da literatura. Mas me lembro com alegria das aulas de leitura. Na verdade, não eram aulas. Eram concertos. A professor lia, interpretava o texto, e nós ouvíamos extasiados. Ninguém falava. Antes de ler Monteiro Lobato, eu o ouvi. E o bom era que não havia provas sobre aquelas aulas. Era prazer puro. Existe uma incompatibilidade total entre a experiência prazerosa de leitura – experiência vagabunda! – e a experiência de ler a fim de responder questionários de interpretação e compreensão. Era sempre uma tristeza quando a professora fechava o livro...

Vejo, assim, a cena original: a mãe ou o pai, livro aberto, lendo para o filho... Essa experiência é o aperitivo que ficará para sempre guardado na memória afetiva da criança. Na ausência da mãe ou do pai a criança olhará para o livro com desejo e inveja. Desejo, porque ela quer experimentar as delícias que estão contidas nas palavras. E inveja, porque ela gostaria de ter o saber do pai e da mãe: eles são aqueles que têm a chave que abre as portas daquele mundo maravilhoso! Roland Barthes faz uso de uma linda metáfora poética para descrever o que ele desejava fazer, como professor: maternagem: continuar a fazer aquilo que a mãe faz. É isso mesmo: na escola, o professor deverá continuar o processo de leitura afetuosa. Ele lê: a criança ouve, extasiada! Seduzida, ela pedirá: “Por favor, me ensine! Eu quero poder entrar no livro por conta própria...“

Toda aprendizagem começa com um pedido. Se não houver o pedido, a aprendizagem não acontecerá. Há aquele velho ditado: “É fácil levar a égua até o meio do ribeirão. O difícil é convencer a égua a beber“. Traduzido pela Adélia Prado: “Não quero faca nem queijo. Quero é fome“. Metáfora para o professor: cozinheiro, Babette, que serve o aperitivo para que a criança tenha fome e deseje comer o texto...

Onde se encontra o prazer do texto? Onde se encontra o seu poder de seduzir? Tive a resposta para essa questão acidentalmente, sem que a tivesse procurado. Ele me disse que havia lido um lindo poema de Fernando Pessoa, e citou a primeira frase. Fiquei feliz porque eu também amava aquele poema. Aí ele começou a lê-lo. Estremeci. O poema – aquele poema que eu amava – estava horrível na sua leitura. As palavras que ele lia eram as palavras certas. Mas alguma coisa estava errada! A música estava errada! Todo texto tem dois elementos: as palavras, com o seu significado. E a música... Percebi, então, que todo texto literário se assemelha à música. Uma sonata de Mozart, por exemplo. A sua “letra“ está gravada no papel: as notas. Mas assim, escrita no papel, a sonata não existe como experiência estética. Está morta. É preciso que um intérprete dê vida às notas mortas. Martha Argerich, pianista suprema (sua interpretação do concerto n. 3 de Rachmaninoff me convenceu da superioridade das mulheres...) as toca: seus dedos deslizam leves, rápidos, vigorosos, vagarosos, suaves, nenhum deslize, nenhum tropeção: estamos possuídos pela beleza. A mesma partitura, as mesmas notas, nas mãos de um pianeiro: o toque é duro, sem leveza, tropeções, hesitações, esbarros, erros: é o horror, o desejo que o fim chegue logo.

Todo texto literário é uma partitura musical. As palavras são as notas. Se aquele que lê é um artista, se ele domina a técnica, se ele surfa sobre as palavras, se ele está possuído pelo texto – a beleza acontece. E o texto se apossa do corpo de quem ouve. Mas se aquele que lê não domina a técnica, se ele luta com as palavras, se ele não desliza sobre elas – a leitura não produz prazer: queremos que ela termine logo. Assim, quem ensina a ler, isto é, aquele que lê para que seus alunos tenham prazer no texto, tem de ser um artista. Só deveria ler aquele que está possuído pelo texto que lê. Por isso eu acho que deveria ser estabelecida em nossas escolas a prática de “concertos de leitura“. Se há concertos de música erudita, jazz e MPB – por que não concertos de leitura? Ouvindo, os alunos experimentarão os prazeres do ler. E acontecerá com a leitura o mesmo que acontece com a música: depois de ser picado pela sua beleza é impossível esquecer. Leitura é droga perigosa: vicia... Se os jovens não gostam de ler, a culpa não é deles. Foram forçados a aprender tantas coisas sobre os textos - gramática, usos da partícula “se“, dígrafos, encontros consonantais, análise sintática –que não houve tempo para serem iniciados na única coisa que importa: a beleza musical do texto literário: foi-lhes ensinada a anatomia morta do texto e não a sua erótica viva. Ler é fazer amor com as palavras. E essa transa literária se inicia antes que as crianças saibam os nomes das letras. Sem saber ler elas já são sensíveis à beleza. E a missão do professor? Mestre do kama-sutra da leitura...


APERITIVOS

1. “Analfabeta não é a pessoa que não sabe ler. É a pessoa que, sabendo ler, não gosta de ler.“ (Quem foi que disse isso? Acho que foi o Mário Quintana).

2. A menininha de 9 anos me explicou como as crianças na sua escola aprendiam a ler: “Aqui na Escola da Ponte não aprendemos letras e silabas. Só aprendemos totalidades...“

3. Os compositores colocam em suas partituras indicações para orientar o intérprete: lento, presto, adagio, alegretto, forte, piano, ralentando. Os escritores deveriam fazer o mesmo com seus textos. Há textos que devem ser lidos lentamente, expressivamente, tristemente. Outros que exigem leveza, rapidez, riso. O leitor experiente não precisa dessas indicações. Mas elas poderiam ajudar os principiantes.

4. “Mais valem dois marimbondos voando que um na mão“ (Almanak do Aluá).

5. Graciliano Ramos relata que, quando menino, na escola lhe ensinaram um ditado: “Fale pouco e bem e ter-te-ão por alguém“. Ele repetia o ditado mas ficava com uma dúvida: “Quem será esse ‘Tertião’?“

* fonte: www.rubemalves.com.br

PARA GOSTAR DE LER... POEMA




RECEITA DE ANO NOVO

Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)

Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.

Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.


Carlos Drummond de Andrade

PARA GOSTAR DE LER... CRÔNICA

DA UTILIDADE DOS ANIMAIS
Carlos Drummond de Andrade


Terceiro dia de aula. A professora é um amor. Na sala, estampas coloridas mostram animais de todos os feitios. É preciso querer bem a eles, diz a professora, com um sorriso que envolve toda a fauna, protegendo-a. Eles têm direito à vida, como nós, e além disso são muito úteis. Quem não sabe que o cachorro é o maior amigo da gente? Cachorro faz muita falta. Mas não é só ele não. A galinha, o peixe, a vaca… Todos ajudam.
- Aquele cabeludo ali, professora, também ajuda?
- Aquele? É o iaque, um boi da Ásia Central. Aquele serve de montaria e de burro de carga. Do pêlo se fazem perucas bacanas. E a carne, dizem que é gostosa.
- Mas se serve de montaria, como é que a gente vai comer ele?
- Bem, primeiro serve para uma coisa, depois para outra. Vamos adiante. Este é o texugo. Se vocês quiserem pintar a parede do quarto, escolham pincel de texugo. Parece que é ótimo.
- Ele faz pincel, professora?
- Quem, o texugo? Não, só fornece o pêlo. Para pincel de barba também, que o Arturzinho vai usar quando crescer.
Arturzinho objetou que pretende usar barbeador elétrico. Além do mais, não gostaria de pelar o texugo, uma vez que devemos gostar dele, mas a professora já explicava a utilidade do canguru:
- Bolsas, mala, maletas, tudo isso o couro do canguru dá pra gente. Não falando da carne. Canguru é utilíssimo.
- Vivo, fessora?
- A vicunha, que vocês estão vendo aí, produz… produz é maneira de dizer, ela fornece, ou por outra, com o pêlo dela nós preparamos ponchos, mantas, cobertores, etc.
- Depois a gente come a vicunha, né fessora?
- Daniel, não é preciso comer todos os animais. Basta retirar a lã da vicunha, que torna a crescer…
- A gente torna a corta? Ela não tem sossego, tadinha.
- Vejam agora como a zebra é camarada. Trabalha no circo, e seu couro listrado serve para forro de cadeira, de almofada e para tapete. Também se aproveita a carne, sabem?
- A carne também é listrada?- pergunta que desencadeia riso geral.
- Não riam da Betty, ela é uma garota que quer saber direito as coisas. Querida, eu nunca vi carne de zebra no açougue, mas posso garantir que não é listrada. Se fosse, não deixaria de ser comestível por causa disto. Ah, o pingüim? Este vocês já conhecem da praia do Leblon, onde costuma aparecer, trazido pela correnteza. Pensam que só serve para brincar? Estão enganados. Vocês devem respeitar o bichinho. O excremento – não sabem o que é? O cocô do pingüim é um adubo maravilhoso: guano, rico em nitrato. O óleo feito da gordura do pingüim…
- A senhora disse que a gente deve respeitar.
- Claro. Mas o óleo é bom.
- Do javali, professora, duvido que a gente lucre alguma coisa.
- Pois lucra. O pêlo dá escovas é de ótima qualidade.
- E o castor?
- Pois quando voltar a moda do chapéu para os homens, o castor vai prestar muito serviço. Aliás, já presta, com a pele usada para agasalhos. É o que se pode chamar de um bom exemplo.
- Eu, hem?
- Dos chifres do rinoceronte, Belá, você pode encomendar um vaso raro para o living da sua casa.
Do couro da girafa Luís Gabriel pode tirar um escudo de verdade, deixando os pêlos da cauda para Tereza fazer um bracelete genial. A tartaruga-marinha, meu Deus, é de uma utilidade que vocês não cauculam. Comem-se os ovos e toma-se a sopa: uma de-lí-cia. O casco serve para fabricar pentes, cigarreiras, tanta coisa. O biguá é engraçado.
- Engraçado, como?
- Apanha peixe pra gente.
- Apanha e entrega, professora?
- Não é bem assim. Você bota um anel no pescoço dele, e o biguá pega o peixe mas não pode engolir. Então você tira o peixe da goela do biguá.
- Bobo que ele é.
- Não. É útil. Ai de nós se não fossem os animais que nos ajudam de todas as maneiras. Por isso que eu digo: devemos amar os animais, e não maltratá-los de jeito nenhum. Entendeu, Ricardo?
- Entendi, a gente deve amar, respeitar, pelar e comer os animais, e aproveitar bem o pêlo, o couro e os ossos.
(Texto extraído de Drummond, Carlos de. De notícias e não notícias faz-se a crônica. Rio de Janeiro, José Olympio, 1975)

PARA GOSTAR DE LER...

NA ESCOLA
Carlos Drummond de Andrade


Democrata é Dona Amarílis, professora na escola pública de uma rua que não vou contar, e mesmo o nome de Dona Amarílis é inventado, mas o caso aconteceu.
Ela se virou para os alunos, no começo da aula, e falou assim:
— Hoje eu preciso que vocês resolvam uma coisa muito importante. Pode ser?
— Pode - a garotada respondeu em coro.
— Muito bem. Será uma espécie de plebiscito. A palavra é complicada, mas a coisa é simples. Cada um dá sua opinião, a gente soma as opiniões e a maioria é que decide. Na hora de dar opinião, não falem todos de uma vez só, porque senão vai ser muito difícil eu saber o que é que cada um pensa. Está bem?
— Está - respondeu o coro, interessadíssimo.
— Ótimo. Então, vamos ao assunto. Surgiu um movimento para as professoras poderem usar calça comprida nas escolas. O governo disse que deixa, a diretora também, mas no meu caso eu não quero decidir por mim. O que se faz na sala de aula deve ser de acordo com os alunos. Para todos ficarem satisfeitos e um não dizer que não gostou. Assim não tem problema. Bem, vou começar pelo Renato Carlos. Renato Carlos, você acha que sua professora deve ou não deve usar calça comprida na escola?
— Acho que não deve - respondeu, baixando os olhos.
— Por quê?
— Porque é melhor não usar.
— E por que é melhor não usar?
— Porque minissaia é muito mais bacana.
— Perfeito. Um voto contra. Marilena, me faz um favor, anote aí no seu caderno os votos contra. E você, Leonardo, por obséquio, anote os votos a favor, se houver. Agora quem vai responder é Inesita.
— Claro que deve, professora. Lá fora a senhora usa, por que vai deixar de usar aqui dentro?
— Mas aqui dentro é outro lugar.
— É a mesma coisa. A senhora tem uma roxo-cardeal que eu vi outro dia na rua, aquela é bárbara.
— Um a favor. E, você, Aparecida?
— Posso ser sincera, professora?
— Pode, não. Deve.
— Eu, se fosse a senhora, não usava.
— Por quê?
— O quadril, sabe? Fica meio saliente ...
— Obrigada, Aparecida. Você anotou, Marilena? Agora você, Edmundo.
— Eu acho que Aparecida não tem razão, professora. A senhora deve ficar muito bacana de calça comprida. O seu quadril é certinho.
— Meu quadril não está em votação, Edmundo. A calça, sim. Você é contra ou a favor da calça?
— A favor 100%.
— Você, Peter?
— Pra mim tanto faz.
— Não tem preferência?
— Sei lá. Negócio de mulher eu não me meto, professora.
— Uma abstenção. Mônica, você fica encarregada de tomar nota dos votos iguais ao de Peter: nem contra nem a favor, antes pelo contrário.
Assim iam todos votando, como se escolhessem o Presidente da República, tarefa que talvez, quem sabe? no futuro sejam chamados a desempenhar. Com a maior circunspeção. A vez de Rinalda:
— Ah, cada um na sua.
— Na sua, como?
— Eu na minha, a senhora na sua, cada um na dele, entende?
— Explique melhor.
— Negócio seguinte. Se a senhora quer vir de pantalona, venha. Eu quero vir de midi, de máxi, de short, venho. Uniforme é papo furado.
— Você foi além da pergunta, Rinalda. Então é a favor?
— Evidente. Cada um curtindo à vontade.
— Legal! - exclamou Jorgito. - Uniforme está superado, professora. A senhora vem de calça comprida, e a gente aparecemos de qualquer jeito.
— Não pode - refutou Gilberto. - Vira bagunça. Lá em casa ninguém anda de pijama ou de camisa aberta na sala. A gente tem de respeitar o uniforme.
Respeita, não respeita, a discussão esquentou, Dona Amarílis pedia ordem, ordem, assim não é possível, mas os grupos se haviam extremado, falavam todos ao mesmo tempo, ninguém se fazia ouvir, pelo que, com quatro votos a favor de calça comprida, dois contra, e um tanto-faz, e antes que fosse decretada por maioria absoluta a abolição do uniforme escolar, a professora achou prudente declarar encerrado o plebiscito, e passou à lição de História do Brasil.

In: SABINO, Fernando et alli — Para gostar de ler Vol. 2 — Crônicas. 1979: Ed. Ática, São Paulo.

PARA GOSTAR DE LER...

A CONTADEIRA DE HISTÓRIAS
(autor nordestino anônimo)

Vovó Candinha é outra figura que nunca se apagou de minha recordação.
Não havia, realmente, mulher que tivesse mais prestigio para as crianças da minha idade. Para nós, era um ser à parte, quase sobrenatural, que se não confundia com as outras criaturas. É que ninguém no mundo contava melhor histórias de fadas do que ela.
Devia ter seus setenta anos, rija, gorda, preta, bem preta e cabeça branca como algodão em pasta.
Morava distante. Vinha ao povoado, de quando em quando, visitar a Luzia, sua filha caçula, casada com o Lourenço Sapateiro.
E quando corria a noticia de que ela ia chegar, a meninada se assanhava como se ficasse à espera de uma festa. Não saíamos da porta da Luzia, perguntando insistentemente:
- Quando ela chega?
- Traz muitas histórias bonitas?
- Traz muitas novas?
Era pela manhã que vovó Candinha costuma chegar. O dia nem sempre havia acabado e já a pequena estava à beira do rio para recebê-la. Mal ia saltando da canoa, nós corríamos a abraçá-la com tanta afoiteza e tanta efusão que havia perigo de lhe rasgarmos o vestido rodado, de chita ramulhada.
- Quantas histórias a vovó traz? Perguntávamos.
- Um bandão delas, respondia a velha.
De dia não conseguíamos que ela nos contasse história nenhuma.
- Quem conta história de dia, dizia, negando-se, cria rabo de macaco.
Mal a noite começava a cair, a meninada caminhava para casa de Luzia, como se dirigisse para um teatro. Após o jantar, vovó Candinha vinha então sentar-se ao batente da porta que dava para o terreiro.
Enquanto se esperavam os retardatários, ela fumava pachorrentamente o seu cachimbo.
Sentávamo-nos em derredor, caladinhos, de ouvido atento, como não fora tão atento o nosso ouvido na escola.
Ela começava:
- Era uma vez uma princesa muito orgulhosa, que fez grande má-criação à fada sua madrinha...
Acendiam-se os nossos olhos, batiam emocionados os nossos corações...
Não sei se é impressão de meninice, mas a verdade é que até hoje, não encontrei ninguém que tivesse mais jeito para contar histórias infantis.
Na sua boca, as coisas simples e as coisas insignificantes tomavam um tom de grandeza que nos arrebatava; tudo era surpresa e maravilha que nos entrava de um jacto na compreensão e no entusiasmo.
E não sei onde ela ia buscar tanta coisa bonita. Ora, eram princesas formosas, aprisionadas em palácios de coral, erguidos no fundo do oceano ou das florestas; ora reis apaixonados que abandonavam o trono para procurara pelo mundo a mulher amada, que as fadas invejosas tinham transformado em coruja ou rã.
Não perdíamos uma só de suas palavras, um só dos seus gestos.
Ela ia contando, contando... Os nossos olhinhos nem piscavam...
A lua, como se fosse princesa encantada, ia vagando pelo céu, toda vestida de branco, a mandar para aterra a suavidade dos seus alvos véus de virgem.
Lá pelas tantas, um de nós encostava a cabeça no companheiro mais próximo e fechava os olhos cansado. Depois outro;depois outro.
E quando vovó Candinha acabava a história, todos nós dormíamos uns encostados aos outros, a sonhar com os palácios do fundo do mar, com as fadas e as princesas.


PARA GOSTAR DE LER...

A Moça TecelãMarina Colasanti



Acordava ainda no escuro, como se ouvisse o sol chegando atrás das beiradas da noite. E logo sentava-se ao tear.

Linha clara, para começar o dia. Delicado traço cor da luz, que ela ia passando entre os fios estendidos, enquanto lá fora a claridade da manhã desenhava o horizonte.


Depois lãs mais vivas, quentes lãs iam tecendo hora a hora, em longo tapete que nunca acabava.

Se era forte demais o sol, e no jardim pendiam as pétalas, a moça colocava na lançadeira grossos fios cinzentos do algodão mais felpudo. Em breve, na penumbra trazida pelas nuvens, escolhia um fio de prata, que em pontos longos rebordava sobre o tecido. Leve, a chuva vinha cumprimentá-la à janela.

Mas se durante muitos dias o vento e o frio brigavam com as folhas e espantavam os pássaros, bastava a moça tecer com seus belos fios dourados, para que o sol voltasse a acalmar a natureza.

Assim, jogando a lançadeira de um lado para outro e batendo os grandes pentes do tear para frente e para trás, a moça passava os seus dias.

Nada lhe faltava. Na hora da fome tecia um lindo peixe, com cuidado de escamas. E eis que o peixe estava na mesa, pronto para ser comido. Se sede vinha, suave era a lã cor de leite que entremeava o tapete. E à noite, depois de lançar seu fio de escuridão, dormia tranqüila.

Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.

Mas tecendo e tecendo, ela própria trouxe o tempo em que se sentiu sozinha, e pela primeira vez pensou em como seria bom ter um marido ao lado.

Não esperou o dia seguinte. Com capricho de quem tenta uma coisa nunca conhecida, começou a entremear no tapete as lãs e as cores que lhe dariam companhia. E aos poucos seu desejo foi aparecendo, chapéu emplumado, rosto barbado, corpo aprumado, sapato engraxado. Estava justamente acabando de entremear o último fio da ponto dos sapatos, quando bateram à porta.

Nem precisou abrir. O moço meteu a mão na maçaneta, tirou o chapéu de pluma, e foi entrando em sua vida.

Aquela noite, deitada no ombro dele, a moça pensou nos lindos filhos que teceria para aumentar ainda mais a sua felicidade.

E feliz foi, durante algum tempo. Mas se o homem tinha pensado em filhos, logo os esqueceu. Porque tinha descoberto o poder do tear, em nada mais pensou a não ser nas coisas todas que ele poderia lhe dar.

— Uma casa melhor é necessária — disse para a mulher. E parecia justo, agora que eram dois. Exigiu que escolhesse as mais belas lãs cor de tijolo, fios verdes para os batentes, e pressa para a casa acontecer.

Mas pronta a casa, já não lhe pareceu suficiente.

— Para que ter casa, se podemos ter palácio? — perguntou. Sem querer resposta imediatamente ordenou que fosse de pedra com arremates em prata.





Dias e dias, semanas e meses trabalhou a moça tecendo tetos e portas, e pátios e escadas, e salas e poços. A neve caía lá fora, e ela não tinha tempo para chamar o sol. A noite chegava, e ela não tinha tempo para arrematar o dia. Tecia e entristecia, enquanto sem parar batiam os pentes acompanhando o ritmo da lançadeira.

Afinal o palácio ficou pronto. E entre tantos cômodos, o marido escolheu para ela e seu tear o mais alto quarto da mais alta torre.

— É para que ninguém saiba do tapete — ele disse. E antes de trancar a porta à chave, advertiu: — Faltam as estrebarias. E não se esqueça dos cavalos!

Sem descanso tecia a mulher os caprichos do marido, enchendo o palácio de luxos, os cofres de moedas, as salas de criados. Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.

E tecendo, ela própria trouxe o tempo em que sua tristeza lhe pareceu maior que o palácio com todos os seus tesouros. E pela primeira vez pensou em como seria bom estar sozinha de novo.

Só esperou anoitecer. Levantou-se enquanto o marido dormia sonhando com novas exigências. E descalça, para não fazer barulho, subiu a longa escada da torre, sentou-se ao tear.

Desta vez não precisou escolher linha nenhuma. Segurou a lançadeira ao contrário, e jogando-a veloz de um lado para o outro, começou a desfazer seu tecido. Desteceu os cavalos, as carruagens, as estrebarias, os jardins. Depois desteceu os criados e o palácio e todas as maravilhas que continha. E novamente se viu na sua casa pequena e sorriu para o jardim além da janela.

A noite acabava quando o marido estranhando a cama dura, acordou, e, espantado, olhou em volta. Não teve tempo de se levantar. Ela já desfazia o desenho escuro dos sapatos, e ele viu seus pés desaparecendo, sumindo as pernas. Rápido, o nada subiu-lhe pelo corpo, tomou o peito aprumado, o emplumado chapéu.

Então, como se ouvisse a chegada do sol, a moça escolheu uma linha clara. E foi passando-a devagar entre os fios, delicado traço de luz, que a manhã repetiu na linha do horizonte.


Marina Colasanti (1938) nasceu em Asmara, Etiópia, morou 11 anos na Itália e desde então vive no Brasil. Publicou vários livros de contos, crônicas, poemas e histórias infantis. Recebeu o Prêmio Jabuti com Eu sei, mas não devia e também por Rota de Colisão. Dentre outros escreveu E por falar em amor, Contos de amor rasgados, Aqui entre nós, Intimidade pública, Eu sozinha, Zooilógico, A morada do ser, A nova mulher (que vendeu mais de 100.000 exemplares), Mulher daqui pra frente, O leopardo é um animal delicado, Esse amor de todos nós, Gargantas abertas e os escritos para crianças Uma idéia toda azul e Doze reis e a moça do labirinto de vento. Colabora, também, em revistas femininas e constantemente é convidada para cursos e palestras em todo o Brasil. É casada com o escritor e poeta Affonso Romano de Sant'Anna.

Texto extraído do livro “Doze Reis e a Moça no Labirinto do Vento”, Global Editora , Rio de Janeiro, 2000, uma colaboração da amiga Janaina Pietroluongo, da longínqua Oxford.


* fonte: site Releituras

PARA GOSTAR DE LER... CRÔNICA


A Menina


Primeiro dia de aula. A menina escreveu seu nome completo na primeira página do caderno escolar, depois seu endereço, depois "Porto Alegre", depois "Rio Grande do Sul", depois "Brasil", "América do Sul", "Terra", "Sistema Solar", "Via Láctea" e "Universo". A menina sentada ao seu lado olhou, viu o que ela tinha escrito, e disse: "Faltou o CEP." Ficaram inimigas para o resto da vida.
Ela era apaixonada pelo Marcos, o Marcos não lhe dava bola. Um dia, no recreio, uma bola chutada pelo Marcos bateu na sua coxa. Ele abanou de longe, gritou "Desculpa", depois foi difícil tomar banho de chuveiro sem molhar a coxa e apagar a marca da bola. Ela teve que ficar com a perna dobrada para fora do box, a mãe não entendeu o chão todo molhado, mas o que é que mãe entende de paixão?
Quem mais sofria com a paixão da menina pelo Marcos era o seu irmão menor, o Fiapo. Tinha dias em que ela chegava da escola e pegava o Fiapo num abraço tão apertado que ele começava a espernear e a gritar "Mãe!".
Sua melhor amiga era a Rute, que anunciou que teria três filhos, Suzana, Sueli e Sukarno.
― "Sukarno"?!
― Li o nome no jornal.
― Mas por que "Sukarno"?!
― Não tem nome de homem que começa com "Su".
E a Rute nem queria ouvir falar em não ter filho homem, o que resolveria o problema. Não transigiria.
Na festa de aniversário da Ana Lúcia, ela, a Rute, a Nicete e a Bel chegaram em grupo e foram direto para o banheiro. De onde não saíram. A Nicete às vezes entreabrindo a porta para controlar a festa, e a Bel dando uma escapada para trazer doces e a notícia de que não, o Marcos não estava dançando com ninguém.
Claro, quem dava bola para a menina era o Mozart, tão feio que o apelido dele na escola era "Feio". Foi ele quem disse que era perigoso ela andar com o endereço completo na primeira página do caderno. Por que perigoso? "Sei lá", disse o Mozart. "Com tanto seqüestro." Ela não entendeu. Depois disse:
― Quero ver me encontrarem no Universo.
Aí foi o Mozart que não entendeu.
No grupo tinha um Mozart e um Vitor Hugo.
― Temos dois nomes famosos na classe ― disse a professora. ― Seu Vitor Hugo, o
senhor sabe quem foi Vitor Hugo na História?
O Vitor Hugo (apelido "Papudo") sabia, Vitor Hugo, escritor francês.
― E seu Mozart, o senhor sabe quem foi Mozart na História?
― Sei.
― Quem foi?
― Meu padrinho.
Naquele ano, a última página do caderno da menina estava toda coberta com o nome do Marcos repetido. Marcos e sobrenome, Marcos e sobrenome. Às vezes o nome dela com o sobrenome do Marcos. Às vezes o nome dos dois com o sobrenome dele. E na saída do último dia de aula antes das provas alguém arrancou o caderno das mãos dela e levou para o Marcos ver. Ela correu, tirou o caderno das mãos do Marcos e disse "Desculpa". Naquela noite chorou tanto que a mãe teve que lhe dar um calmante. Nunca mais falou com o Marcos.
Nunca mais encheu seu caderno com o nome de alguém. Nunca mais se apaixonou, ou chorou, do mesmo jeito. Do pior dia da sua vida só o que repetiu muitas vezes, depois, foi o calmante.
Pensou que se um dia saísse um livro com o seu diálogo com Marcos seria um livro de 100 páginas com "Desculpa!" na primeira página e "Desculpa" na última, e todas as outras páginas em branco. Seria o livro mais triste do mundo.
Um professor disse para a menina que só havia um jeito de compreender o Universo. Ela devia pensar numa esfera dentro de uma esfera maior, até chegar a uma grande esfera que incluiria todas as outras, e que por sua vez estaria dentro da esfera menor. A menina então entendeu que a sua vizinha de classe tinha razão, era preciso botar o CEP. Num universo assim, era preciso fixar um detalhe para você nunca se perder. Nem que o detalhe fosse a mancha no teto do seu quarto com o perfil da tia Corinha, a que queria ser freira e acabara oceanógrafa.
A menina disse para a Rute que era preciso escolher um detalhe da sua vida, em torno do qual o Universo se organizaria. Cada pessoa precisava escolher um momento, uma coisa, uma espinha no rosto, uma frase, um veraneio, um quindim, uma mancha no teto ― um lugar em que pudesse ser encontrada, era isso.
― Pirou, disse a Rute.

Luís Fernando Veríssimo

PARA GOSTAR DE LER... CONTO


Leiam o lindo conto enviado pela amiga Teresa Cristina (obrigada ,querida, por sua contribuição no blog) :





Um baú de histórias



A chama do candeeiro ardia sem forças; as horas do relógio na parede contavam os minutos para a casa toda escurecer. E a menina no tic, tac sem vontade de dormir... O quarto triste com ar de solidão.

Pediram-lhe que dormisse cedo, de um modo tão carregado de ternura, que lhe abatia a alma não obedecer. E sentou-se na beirada da rede e colocou as mãozinhas em oração, num gesto de tanto amor...

Os grilos pararam a cantoria na parede. E num movimento involuntário, os olhos fugiram da razão e foram parar no velho baú... Ainda balançou a cabeça, querendo deixar o corpo no lugar, mas uma coisa estranha a levou a se levantar...

Era como se um pássaro voasse em seu pés... abrindo asas de boquinha aberta de tanta curiosidade!... Sentou no chão, à meia-luz da lamparina. E ergueu a tampa do velho baú de sua avó.

E os olhos se encheram de fantasia. Uma bailarina numa caixinha de música... tropeçando no tapete do quarto, os pezinhos delicados cheios de espanto de tudo, mas sem medo. E havia chapéus... moças numa praça, fugindo do sol, de roupas de pregas, segurando as saias fugindo do vento. Outra caixinha pequena toda estampada de flores... uma espécie de melancolia grudou na menina: De quem era aquele anel pequenino? Por que o mar era tão azul numa pedra sem vida? E viu peixinhos esverdeados...Ou eram dourados?

Estendeu as pernas no chão, com as mãos cheias de botões... Agulhas a correr nos furinhos, sobre rendas, atravessando sedas, algodões branquinhos, tecendo bordados... Os olhinhos de uma boneca de pano, olhando para todos os lados, com expressão de quem tudo sabia... “Tão bonita! Tão desejada!”

Um lencinho cor-de-rosa! Tinha o nome da avó escrito em letras miudinhas... com um floreado. Não soube dizer uma história... Ergueu com mansidão o lenço e o cheirou... Fechando os olhos. “Era da avó... quando menina!” Só então viu: Crianças com suas risadas brincando num jardim de céu anil, flores amarelas de sol, um carrinho de pipocas... na porta da igreja com homens e santos...
Uma menina subindo e descendo os degraus da igreja... “Oh! A lua a se esconder!”

Levantou-se apressada! Os objetos caíram-lhe para qualquer lado. “Não foi nada, não foi nada...”, alguns quiseram dizer...

E então, lembrou-se da hora de dormir. Guardou tudo no baú encantado. E como o candeeiro estava quase apagando, deitou na rede com ar de quem tem um baú encantado.

PARA GOSTAR DE LER...CONTO



O rouxinol do imperador
(Hans Christian Andersen)




O palácio do imperador da China era uma das coisas mais bonitas que existiam no mundo. Construído em mármore branco, possuía torres de marfim, paredes revestidas com tecidos de cores variadas e quartos decorados com ouro e prata. Era realmente uma maravilha! O jardim também era de enorme beleza; nele cresciam flores raras e belas. Havia inúmeros rios e lagos, onde nadavam peixes de todas as espécies e tamanhos. Para além do jardim, se estendia uma mata, que chegava até o mar e no interior dela vivia um rouxinol de canto único. De sua pequenina garganta saíam melodias tão emocionantes, que faziam chorar quem as escutasse. Turistas do mundo todo iam admirar o palácio do imperador chinês e ficavam maravilhados diante de tanta beleza. Mas, quando ouviam o canto do rouxinol, todos admitiam que aquilo sim era a coisa mais bonita e rara do grande império. Entre os visitantes havia escritores que, ao retornar às suas pátrias, escreviam livros a respeito do prodigioso pássaro que vivia no centro da mata, próximo ao palácio imperial. E dedicavam a ele os maiores elogios, muito mais do que à maravilhosa casa do imperador chinês.

Um dia, um daqueles livros chegou às mãos do imperador. O soberano o leu e ficou, ao mesmo tempo, surpreso e enfurecido. Mandou logo chamar o primeiro-ministro. "Incrível! No bosque que faz divisa com os jardins imperiais vive um rouxinol cujo canto é incomparável, e eu o desconheço! Tive que ler um livro estrangeiro para aprender que a maior maravilha de meu país é um pássaro de voz de ouro, e não este meu soberbo palácio! Diga-me, por que não fui informado?" "Eu também ignorava o fato, meu senhor", respondeu o primeiro-ministro, assustado com a ira do imperador. "Mas vou descobri-lo." "E que seja muito breve. Nesta noite mesmo o rouxinol deverá cantar somente para mim."

O primeiro-ministro iniciou as buscas. Interrogou príncipes e nobres, guardas e cavaleiros. Ninguém sabia da existência de tal ave. Sem nada descobrir, o primeiro-ministro voltou ao imperador: "Meu senhor, não se consegue encontrar o rouxinol. Talvez não exista, talvez seja apenas invenção do autor do livro." Mas o imperador não quis explicações. Exigia o prodigioso rouxinol! Ou naquela noite o rouxinol cantava para a corte, ou o primeiro-ministro seria punido. O pobre homem recomeçou a percorrer ruas e praças, perguntando a todos sobre o tal pássaro. Por fim, encontrou na cozinha imperial uma serviçal que comentou: "O rouxinol… Conheço-o, sim. Às vezes, à noite, paro no bosque para ouvir seu canto maravilhoso. Tem uma voz tão bela e harmoniosa, que chego a chorar de emoção." "Poderia me ajudar a procurá-lo?" "Claro que sim, Excelência."

Imediatamente, ele mandou organizar uma comitiva de cavaleiros e cortesãos para, sob orientação da serviçal, ir procurar o rouxinol na mata. Estavam andando já há algum tempo, quando se ouviu um mugido. Os cavaleiros pararam, curiosos. "Deve ser o rouxinol cantando. Que voz agradável!" "Esse foi o mugido de uma vaca", riu a mulher. "O rouxinol vive mais longe." Após longa caminhada, a serviçal parou em frente a uma árvore e mostrou uma ave minúscula, de plumas acastanhadas, que saltitava entre os galhos. "Ali está, aquele é o rouxinol, o pássaro de canto comovente." O primeiro-ministro e seu séquito ficaram desapontados com o aspecto modesto do rouxinol. Nem de longe sua aparência era comparável à beleza do palácio. Porém, quando escutaram sua voz, todos ficaram encantados. E convidaram-no para ir à corte. O rouxinol aceitou o convite.

Foram feitos grandes preparativos para sua chegada: flores por toda parte, assoalhos encerados e brilhantes, e uma gaiola toda de ouro, no meio da sala do trono, para o pequeno e ilustre cantor. Sentado no trono, o imperador aguardava com impaciência o momento em que escutaria as maravilhosas melodias que todos comentavam. Assim que chegou, o rouxinol pousou sobre a gaiola, olhou com respeito o ilustre anfitrião - o imperador da China - e começou a cantar. Seu canto era tão comovente que o imperador chorou, emocionado. Terminado o concerto, ele disse para o rouxinol: "Fique comigo para sempre, para minha felicidade. Em troca, terá tudo que pedir, tudo que mais o agradar! Tudo que quiser." "Majestade", respondeu o passarinho. "Enquanto eu cantava, vi lágrimas em seus olhos. Isto, para mim, é a recompensa maior, não peço mais nada. Se Vossa Majestade assim o deseja, estou pronto para abandonar a mata e alegrar sua vida com minha voz, sempre que quiser." E assim, o rouxinol ficou no palácio, abrigado na gaiola de ouro pendurada nos aposentos do imperador. Cantava frequentemente para seu amo e uma vez por dia dava um passeio no jardim - mas preso pela patinha a um fio de seda conduzido pelo primeiro-ministro.

Um dia, o imperador da China recebeu um presente de seu amigo, o imperador do Japão: um maravilhoso rouxinol mecânico, todo de ouro. Suas asas eram enfeitadas com diamantes, a cauda exibia safiras e os olhos de rubis. Bastava girar uma pequena chave, e o rouxinol mecânico cantava uma linda melodia. Porém, o rouxinol verdadeiro cantava com o coração e o outro, com molas e cilindros de aço. As duas vozes não combinavam, e o imperador se aborreceu: ‘Que o rouxinol mecânico cante sozinho!", ordenou. Trinta vezes seguidas o belo brinquedo repetiu a mesma melodia sem mudar uma nota sequer, entre aplausos e elogios da corte que o ouvia. Na trigésima primeira apresentação o imperador disse que já era o bastante. "E agora, que cante o rouxinol verdadeiro!", ordenou. Mas o passarinho não foi encontrado. Aproveitando-se do descuido geral, tinha voado pela janela aberta em direção à mata, onde sempre vivera em total liberdade. Mas o imperador não ficou triste, pois afinal estava satisfeito com o rouxinol mecânico.

Para que todos os súditos admirassem seu rouxinol, permitiu um espetáculo público. Muitos se deslumbraram. Mas quem já ouvira a voz do rouxinol verdadeiro, na mata, não se convenceu: "Há enorme diferença entre os dois." Não importava a opinião dos outros. O imperador, a cada dia que passava, ficava mais animado com aquele extraordinário brinquedo. O aparelhinho repousava em uma almofada de seda, ao lado da cama do soberano, que a cada momento lhe dava corda, contente com aquele canto sempre igual. Certa noite, o delicado mecanismo se rompeu, produzindo um ruído estranho. O imperador mandou chamar um experiente relojoeiro, que encontrou uma mola quebrada e trocou-a. Mas avisou ao imperador que o mecanismo já estava bem gasto, e que o rouxinol mecânico só poderia cantar uma vez por ano, para evitar que quebrasse definitivamente.

O imperador ficou muito triste com isso, mas foi obrigado a seguir o conselho do relojoeiro. Passaram-se os anos, e um dia o imperador adoeceu gravemente. Repousava entre seus lençóis de cetim e as cobertas de seda bordadas mas, apesar de tanto luxo, estava só. Nobres e ministros discutiam a sucessão ao trono, médicos pesquisavam novos remédios para receitar ao ilustre doente, a criadagem dormia. Ninguém fazia companhia ao enfermo. Em certo momento, o imperador abriu os olhos e viu a Morte sentada a seu lado, em seu assustador manto negro, encarando-o silenciosamente. Entendeu que chegara sua última hora, e então se virou para o rouxinol mecânico e sussurrou: "Cante, suplico-lhe. Cante, quero escutar sua voz mais uma vez, antes de morrer." Mas o rouxinol permaneceu calado. Não havia ninguém que lhe desse corda, e ele, sozinho, não podia cantar.

De repente, uma melodia muito doce, enternecedora ressoou nos aposentos. No parapeito da janela, estava o rouxinol verdadeiro. O passarinho soubera da morte inevitável do imperador e viera trazer-lhe seu consolo musical, ainda que sem ouro, brilhantes, safiras e rubis. A Morte também se pôs a escutar aquele doce canto e, quando o rouxinol se calou, pediu para que continuasse. A música se espalhou pelo amplo aposento e, a cada nota, o imperador se sentia melhor. Enquanto isso, dona Morte foi se afastando devagar. "Repouse, agora, Majestade", disse com carinho o rouxinol. "Amanhã acordará curado." E ficou ali, com seus gorjeios, entoando uma suave canção de ninar.

No dia seguinte, ao despertar, o imperador se sentia bem e se levantou. O rouxinol ainda estava no parapeito da janela. "Meu salvador!" disse-lhe o imperador. "Fui ingrato com você, ao preferir o rouxinol mecânico. Mas agora pretendo me desculpar. Vou destruir aquele tolo brinquedo, se quiser, mas peço-lhe que nunca mais me abandone." "Não me peça isso", respondeu o rouxinol. "Vou ficar com muito gosto junto de Vossa Majestade, mas com a condição de não me prender mais na gaiola. Deixe-me livre, permita que eu viva nos bosques. Virei cantar sempre que quiser, e também lhe contarei tudo o que vejo no seu império. Assim, saberá das injustiças que devem ser punidas, e das boas ações que merecem ser recompensadas. Seu povo poderá ser bem mais feliz." O imperador concordou, e o rouxinol foi embora. Mais tarde, na hora em que os cortesãos, médicos e empregados entraram no aposento do doente, temendo encontrá-lo morto, viram-no em pé, alegre, feliz e bem-disposto. E nunca souberam, nem sequer imaginaram, o motivo de tal prodígio.


Fonte: http://www.lendorelendogabi.com/contos/O-rouxinol-do-imperador.htm

PARA GOSTAR DE LER... POESIA


Trem de Ferro
Café com pão
Café com pão
Café com pão

Virge Maria que foi isso maquinista?

Agora sim
Café com pão
Agora sim
Voa, fumaça
Corre, cerca
Ai seu foguista
Bota fogo
Na fornalha
Que eu preciso
Muita força
Muita força
Muita força
(trem de ferro, trem de ferro)

Oô...
Foge, bicho
Foge, povo
Passa ponte
Passa poste
Passa pasto
Passa boi
Passa boiada
Passa galho
Da ingazeira
Debruçada
No riacho
Que vontade
De cantar!
Oô...
(café com pão é muito bom)

Quando me prendero
No canaviá
Cada pé de cana
Era um oficiá
Oô...
Menina bonita
Do vestido verde
Me dá tua boca
Pra matar minha sede
Oô...
Vou mimbora vou mimbora
Não gosto daqui
Nasci no sertão
Sou de Ouricuri
Oô...

Vou depressa
Vou correndo
Vou na toda
Que só levo
Pouca gente
Pouca gente
Pouca gente...
(trem de ferro, trem de ferro)

Manuel Bandeira




PARA GOSTAR DE LER... CRÔNICA

EXIGÊNCIAS DA VIDA MODERNA
LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO
Dizem que todos os dias você deve comer uma maçã por causa do ferro.
E uma banana pelo potássio.
E também uma laranja pela vitamina C.

Uma xícara de chá verde sem açúcar para prevenir a diabetes.
Todos os dias deve-se tomar ao menos dois litros de água.
E uriná-los, o que consome o dobro do tempo.
Todos os dias deve-se tomar um Yakult pelos lactobacilos (que ninguém sabe bem o que é, mas que aos bilhões, ajudam a digestão).

Cada dia uma Aspirina, previne infarto.
Uma taça de vinho tinto também.
Uma de vinho branco estabiliza o sistema nervoso.
Um copo de cerveja, para… não lembro bem para o que, mas faz bem.
O benefício adicional é que se você tomar tudo isso ao mesmo tempo e tiver um derrame, nem vai perceber.

Todos os dias deve-se comer fibra.
Muita, muitíssima fibra.
Fibra suficiente para fazer um pulôver.
Você deve fazer entre quatro e seis refeições leves diariamente.
E nunca se esqueça de mastigar pelo menos cem vezes cada garfada.
Só para comer, serão cerca de cinco horas do dia.

E não esqueça de escovar os dentes depois de comer.
Ou seja, você tem que escovar os dentes depois da maçã, da banana, da laranja, das seis refeições e enquanto tiver dentes, passar fio dental, massagear a gengiva, escovar a língua e bochechar com Plax.
Melhor, inclusive, ampliar o banheiro e aproveitar para colocar um equipamento de som, porque entre a água, a fibra e os dentes, você vai passar ali várias horas por dia.

Há que se dormir oito horas por noite e trabalhar outras oito por dia, mais as cinco comendo são vinte e uma.
Sobram três, desde que você não pegue trânsito.

As estatísticas comprovam que assistimos três horas de TV por dia.
Menos você, porque todos os dias você vai caminhar ao menos meia hora (por experiência própria, após quinze minutos dê meia volta e comece a voltar, ou a meia hora vira uma).

E você deve cuidar das amizades, porque são como uma planta: devem ser regadas diariamente, o que me faz pensar em quem vai cuidar delas quando eu estiver viajando.

Deve-se estar bem informado também, lendo dois ou três jornais por dia para comparar as informações.

Ah! E o sexo.
Todos os dias, tomando o cuidado de não se cair na rotina.
Há que ser criativo, inovador para renovar a sedução.
Isso leva tempo e nem estou falando de sexo tântrico.

Também precisa sobrar tempo para varrer, passar, lavar roupa, pratos e espero que você não tenha um bichinho de estimação.

Na minha conta são 29 horas por dia.
A única solução que me ocorre é fazer várias dessas coisas ao mesmo tempo!!!

Tomar banho frio com a boca aberta, assim você toma água e escova os dentes. Chame os amigos e seus pais.
Beba o vinho, coma a maçã e dê a banana na boca da sua mulher.
Ainda bem que somos crescidinhos, senão ainda teria um Danoninho e se sobrarem 5 minutos, uma colherada de leite de magnésia.

Agora tenho que ir.
É o meio do dia, e depois da cerveja, do vinho e da maçã, tenho que ir ao banheiro.
E já que vou, levo um jornal…

Tcháu….
Se sobrar um tempinho, me manda um e-mail.

(Luis Fernando Veríssimo)



PARA GOSTAR DE LER... CONTO

O RETIRO DA FIGUEIRA
MOACYR SCLIAR
Sempre achei que era bom demais. O lugar, principalmente. O lugar era... era maravilhoso. Bem como dizia o prospecto: maravilhoso. Arborizado, tranqüilo, um dos últimos locais – dizia o anúncio – onde você pode ouvir um bem-te-vi cantar. Verdade: na primeira vez que fomos lá ouvimos o bem-te-vi. E também constatamos que as casas eram sólidas e bonitas, exatamente como o prospecto as descrevia: estilo moderno, sólidas e bonitas. Vimos os gramados, os parques, os pôneis, o pequeno lago. Vimos o campo de aviação. Vimos a majestosa figueira que dava nome ao condomínio: Retiro da Figueira.
Mas o que mais agradou à minha mulher foi a segurança. Durante todo o trajeto de volta à cidade – e eram uns bons cinqüenta minutos – ela falou, entusiasmada, da cerca eletrificada, das torres de vigia, dos holofotes, do sistema de alarmes – e sobretudo dos guardas. Oito guardas, homens fortes, decididos – mas amáveis, educados. Aliás, quem nos recebeu naquela visita, e na seguinte, foi o chefe deles, um senhor tão inteligente e culto que logo pensei: “ah, mas ele deve ser formado em alguma universidade”. De fato: no decorrer da conversa ele mencionou – mas de maneira casual – que era formado em Direito. O que só fez aumentar o entusiasmo de minha mulher.
Ela andava muito assustada ultimamente. Os assaltos violentos se sucediam na vizinhança; trancas e porteiros eletrônicos já não detinham os criminosos. Todos os dias sabíamos de alguém roubado e espancado; e quando uma amiga nossa foi violentada por dois marginais, minha mulher decidiu – tínhamos de mudar de bairro. Tínhamos de procurar um lugar seguro.
Foi então que enfiaram o prospecto colorido sob nossa porta. Às vezes penso que se morássemos num edifício mais seguro o portador daquela mensagem publicitária nunca teria chegado a nós, e, talvez... Mas isto agora são apenas suposições. De qualquer modo, minha mulher ficou encantada com o Retiro da Figueira. Meus filhos estavam vidrados nos pôneis. E eu acabava de ser promovido na firma. As coisas todas se encadearam, e o que começou com um prospecto sendo enfiado sob a porta transformou-se – como dizia o texto – num novo estilo de vida.
Não fomos os primeiros a comprar casa no Retiro da Figueira. Pelo contrário; entre nossa primeira visita e a segunda – uma semana após – a maior parte das trinta residências já tinha sido vendida. O chefe dos guardas me apresentou a alguns dos compradores. Gostei deles: gente como eu, diretores de empresa, profissionais liberais, dois fazendeiros. Todos tinham vindo pelo prospecto. E quase todos tinham se decidido pelo lugar por causa da segurança.
Naquela semana descobri que o prospecto tinha sido enviado apenas a uma quantidade limitada de pessoas. Na minha firma, por exemplo, só eu o tinha recebido. Minha mulher atribuiu o fato a uma seleção cuidadosa de futuros moradores – e viu nisso mais um motivo de satisfação. Quanto a mim, estava achando tudo muito bom. Bom demais.
Mudamo-nos. A vida lá era realmente um encanto. Os bem-te-vis eram pontuais: às sete da manhã começavam seu afinado concerto. Os pôneis eram mansos, as aléias ensaibradas estavam sempre limpas. A brisa agitava as árvores do parque – cento e doze, bem como dizia o prospecto. Por outro lado, o sistema de alarmes era impecável. Os guardas compareciam periodicamente à nossa casa para ver se estava tudo bem – sempre gentis, sempre sorridentes. O chefe deles era uma pessoa particularmente interessada: organizava festas e torneios, preocupava-se com nosso bem-estar. Fez uma lista dos parentes e amigos dos moradores – para qualquer emergência, explicou, com um sorriso tranqüilizador. O primeiro mês decorreu – tal como prometido no prospecto – num clima de sonho. De sonho, mesmo.
Uma manhã de domingo, muito cedo – lembro-me que os bem-te-vis ainda não tinham começado a cantar – soou a sirene de alarme. Nunca tinha tocado antes, de modo que ficamos um pouco assustados – um pouco, não muito. Mas sabíamos o que fazer: nos dirigimos, em ordem, ao salão de festas, perto do lago. Quase todos ainda de roupão ou pijama.
O chefe dos guardas estava lá, ladeado por seus homens, todos armados de fuzis. Fez-nos sentar, ofereceu café. Depois, sempre pedindo desculpas pelo transtorno, explicou o motivo da reunião: é que havia marginais nos matos ao redor do Retiro e ele, avisado pela polícia, decidira pedir que não saíssemos naquele domingo.
– Afinal – disse, em tom de gracejo – está um belo domingo, os pôneis estão aí mesmo, as quadras de tênis...
Era mesmo um homem muito simpático. Ninguém chegou a ficar verdadeiramente contrariado.
Contrariados ficaram alguns no dia seguinte, quando a sirene tornou a soar de madrugada. Reunimo-nos de novo no salão de festas, uns resmungando que era segunda-feira, dia de trabalho. Sempre sorrindo, o chefe dos guardas pediu desculpas novamente e disse que infelizmente não poderíamos sair – os marginais continuavam nos matos, soltos. Gente perigosa; entre eles, dois assassinos foragidos. À pergunta de um irado cirurgião o chefe dos guardas respondeu que, mesmo de carro, não poderíamos sair; os bandidos poderiam bloquear a estreita estrada do Retiro.
– E vocês, por que não nos acompanham? – perguntou o cirurgião.
– E quem vai cuidar da família de vocês? – disse o chefe dos guardas, sempre sorrindo.
Ficamos retidos naquele dia e no seguinte. Foi aí que a polícia cercou o local: dezenas de viaturas com homens armados, alguns com máscaras contra gases. De nossas janelas nós os víamos e reconhecíamos: o chefe dos guardas estava com a razão.
Passávamos o tempo jogando cartas, passeando ou simplesmente não fazendo nada. Alguns estavam até gostando. Eu não. Pode parecer presunção dizer isto agora, mas eu não estava gostando nada daquilo.
Foi no quarto dia que o avião desceu no campo de pouso. Um jatinho. Corremos para lá.
Um homem desceu e entregou uma maleta ao chefe dos guardas. Depois olhou para nós – amedrontado, pareceu-me – e saiu pelo portão da entrada, quase correndo.
O chefe dos guardas fez sinal para que não nos aproximássemos. Entrou no avião. Deixou a porta aberta, e assim pudemos ver que examinava o conteúdo da maleta. Fechou-a, chegou à porta e fez um sinal. Os guardas vieram correndo, entraram todos no jatinho. A porta se fechou, o avião decolou e sumiu.
Nunca mais vimos o chefe e seus homens. Mas estou certo que estão gozando o dinheiro pago por nosso resgate. Uma quantia suficiente para construir dez condomínios iguais ao nosso – que eu, diga-se de passagem, sempre achei que era bom demais.

PARA GOSTAR DE LER... POESIA


Poema Matemático



Às folhas tantas

do livro matemático

um Quociente apaixonou-se

um dia

doidamente

por uma Incógnita.

Olhou-a com seu olhar inumerável e

viu-a do ápice à base

uma figura ímpar;

olhos rombóides, boca trapezóide,

corpo retangular, seios esferóides.

Fez de sua uma vida

paralela à dela

até que se encontraram

no infinito.

"Quem és tu?", indagou ele

em ânsia radical.

"Sou a soma do quadrado dos catetos.

Mas pode me chamar de Hipotenusa."

E de falarem descobriram que eram

(o que em aritmética corresponde

a almas irmãs)

primos entre si.

E assim se amaram

ao quadrado da velocidade da luz

numa sexta potenciação

traçando

ao sabor do momento

e da paixão

retas, curvas, círculos e linhas sinoidais

nos jardins da quarta dimensão.

Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclidiana

e os exegetas do Universo Finito.

Romperam convenções newtonianas e pitagóricas.

E enfim resolveram se casar

constituir um lar,

mais que um lar,

um perpendicular.

Convidaram para padrinhos o

Poliedro e a Bissetriz.

E fizeram planos, equações e diagramas para o futuro

sonhando com uma felicidade

integral e diferencial.

E se casaram e tiveram uma secante e três cones

muito engraçadinhos.

E foram felizes

até aquele dia

em que tudo vira afinal

monotonia.

Foi então que surgiu

O Máximo Divisor Comum

freqüentador de círculos concêntricos,

viciosos.

Ofereceu-lhe, a ela,

uma grandeza absoluta

e reduziu-a a um denominador comum.

Ele, Quociente, percebeu

que com ela não formava mais um todo,

uma unidade.

Era o triângulo,

tanto chamado amoroso.

Desse problema ela era uma fração,

a mais ordinária.

Mas foi então que Einstein descobriu a Relatividade

e tudo que era espúrio passou a ser

moralidade

como aliás em qualquer sociedade.


Texto extraído do livro "Tempo e Contratempo", Edições O Cruzeiro - Rio de Janeiro, 1954, pág. sem número, publicado com o

PARA GOSTAR DE LER... CRÔNICA


A visita
Walcyr Carrasco


Há pessoas que ficam guardadas na alma da gente. De repente minha memória ilumina um sorriso, uma palavra, um gesto de alguém que não vejo há muito tempo. No último Dia das Mães, resolvi rever minha antiga professora de ciências, dona Thelma. Estudei com ela no Instituto de Educação Monsenhor Bicudo, em Marília, no interior de São Paulo, no tempo em que o ensino médio era chamado de ginásio. Mas perdi o contato: fui criado na cidade somente até os 15 anos. Quando minha família se mudou, veio completa. Não deixamos parentes a quem visitar. Durante mais de quarenta anos, não voltei a Marília. Sempre me lembrava de dona Thelma, mas, contraditoriamente, nunca a visitei.
Uma ex-colega de classe, Malau, que também só revi recentemente, localizou seu endereço. Minha mãe raramente comparecia às festas escolares quando eu era garoto. Em um Dia das Mães os alunos receberam rosas para oferecer. Entreguei a minha a dona Thelma, que, às vezes, eu chamava de mãe, um pouco por malandragem. Certa vez, na fila do cinema, dona Thelma chegou com o filho pequeno e me pediu para comprar seu ingresso. O funcionário proibiu:
— Não pode comprar, ela tem de ir para o fim da fila!

Gritei, muito espertinho: — Mas ela é minha mãe!

— Ah, se é mãe, pode!
Passei a chamá-la de mãe e sempre recebia um sorriso cúmplice de volta!
Em suas aulas contemplei a beleza das células através do microscópio. Apaixonei-me pela teoria da evolução das espécies. Ela me ensinou a pesquisar por conta própria, já que gostava tanto do tema.
Assim, um pouco me sentindo como um molequinho, apareci de surpresa em sua casa, em Marília. Em dúvida sobre o presente adequado, levei uma caixa de bombons e o meu livro Anjo de Quatro Patas. Ela me recebeu com o mesmo sorriso e os gestos leves, divertidos, juvenis apesar dos seus 77 anos.

— Nem estou arrumada! Entre, entre!
Adorou os bombons, autografei o livro. Serviu café com bolo. Quis saber da minha carreira. Eu, de sua vida: teve cinco filhos. O mais velho mora nos Estados Unidos, a mais nova com ela. Aposentada, dedica- se a seu marido, João Décio, professor de literatura da Unesp, autor de quatro livros.
Falou da juventude, dos tempos de pobreza durante a faculdade. Da vida de professora. Lembramos meus tempos de escola. Mui tas vezes, na época, eu a visitava. Ela me dava xerox das poesias que o marido usava como material para as aulas na universidade. Assim conheci Fernando Pessoa e Florbela Espanca.
Mas durante todo o tempo da visita tinha a sensação de que deveria ter levado um presente mais valioso. De repente confessei:
— Odiamos quando você começou a nos dar aulas!

— Verdade?

— Ainda me lembro da primeira prova. Decorei tudo. Só caíram perguntas que exigiam raciocínio! Foi um desastre.
Ela riu.

— Sempre fui contra a decoreba.

— Depois eu comecei a juntar uma coisa com a outra.Você também me mostrou como fazer pesquisa. Fiz uma pausa, procurando as palavras certas.

— Tudo o que aprendi com você me acompanha até agora, Thelma. Sabe, você me ensinou a pensar. Eu não teria me tornado quem sou hoje se você não tivesse sido minha professora.
Compreendi que meu verdadeiro presente estava além do material. Era meu profundo agradecimento por ela ter existido em minha vida. O brilho de seus olhos me disse quanto se sentiu gratificada. Eu também, pela oportunidade de dizer que ela se tornou inesquecível não só para o garoto que eu fui, mas também para o homem em que me transformei.


* fonte: Revista Veja São Paulo - junho/2010

PARA GOSTAR DE LER... FÁBULA


A Falsa Avó


Uma dona de casa tinha de peneirar a farinha. Mandou sua menina para a casa da avó, para que ela lhe emprestasse a peneira. A menina preparou o cestinho com a merenda: roscas e pão feito com óleo; e se pôs a caminho

.— Rio Jordão, me deixa passar?

— Sim, se me der suas roscas.

O rio Jordão era louco por roscas e se divertia com elas, fazendo-as girar em seus redemoinhos.

A menina chegou à Porta Gradeada.

— Porta gradeada, me deixa passar?

— Sim, se você me der o pão feito com óleo.

A Porta Gradeada era louca por pão com óleo, pois tinha as dobradiças enferrujadas, e o pão feito com óleo as untava.

A menina deu o pão com óleo à porta, e a porta se abriu e a deixou passar.Chegou à casa da avó, mas a porta estava fechada.

— Vovó, vovó, abra para mim.

— Estou de cama, doente. Entre pela janela.

— Não alcanço.

— Entre pela gateira.

— Não passo.

— Então espere.

— Jogou uma corda e a puxou pela janela.

O aposento estava escuro. Quem estava na cama era a Ogra, não a avó, pois a avó fora devorada inteirinha pela Ogra, da cabeça aos pés, menos os dentes, que pusera para cozinhar numa panelinha, e as orelhas, que pusera para fritar numa frigideira.

— Vovó, mamãe quer a peneira.

— Agora é tarde. Amanhã vou entregá-la para você. Venha para a cama.

— Vovó, estou com fome, primeiro quero comer.

— Coma os feijões que estão cozinhando na panelinha.

Na panelinha estavam os dentes. A menina mexeu com a colher e disse:

— Vovó, estão muito duros.

— Então coma as fritadas que estão na frigideira.

Na frigideira estavam as orelhas.

A menina tocou nelas com o garfo e disse:

— Vovó, não estão crocantes.

— Então venha para a cama. Comerá amanhã.

A menina subiu na cama, perto da avó. Tocou numa de suas mãos e disse:

— Por que tem as mão tão peludas, vovó?

— Por causa dos muitos anéis que usava nos dedos.

Tocou em seu peito.

— Por que tem o peito tão peludo, vovó?

— Por causa do monte de colares que usava no pescoço.

Tocou em seus quadris.

— Por que tem os quadris tão peludos, vovó?

— Porque usava um espartilho muito apertado.

Tocou em sua cauda e pensou que, com ou sem pêlos, a avó jamais tivera um rabo. Aquela devia ser a Ogra e não sua avó. Então disse:

— Vovó, não consigo dormir se antes não fizer uma necessidade.

A avó disse:

— Vá fazer na estrebaria, faço você descer pelo alçapão e depois volto a puxá-la.

Amarrou-a com a corda e a baixou na estrebaria. Assim que se viu no chão, a menina se desamarrou e amarrou uma cabra na corda.

— Terminou? disse a avó.

— Espere um momentinho. Acabou de amarrar a cabra.

— Pronto, terminei, pode me puxar.

A Ogra puxa, puxa, e a menina começa a gritar:

— Ogra peluda! Ogra peluda!

Abre a estrebaria e foge. A Ogra puxa e aparece a cabra. Pula da cama e corre atrás da menina.

Na Porta Gradeada, a Ogra gritou de longe:

— Porta Gradeada, não a deixe passar!Mas a porta gradeada disse:

— Claro que a deixo passar, pois me deu pão com óleo.

No rio Jordão, a Ogra gritou:

— Rio Jordão, não a deixe passar!

Mas o rio Jordão disse:

— Claro que a deixo passar, pois me deu roscas.

Quando a Ogra quis passar, o rio Jordão não baixou suas águas e a Ogra foi arrastada. Na margem, a menina fazia caretas para ela.

* in: "Fábulas Italianas", de Ítalo Calvino

PARA GOSTAR DE LER... CONTO (OUTRA VERSÃO)



O Macaco e o Rabo (2)


Uma ocasião achavam-se na beira da estrada um macaco e uma cutia e vinha passando na mesma estrada um carro de bois cantando. O macaco disse para a cutia:
— Tira o teu rabo da estrada, senão o carro passa e corta.
Embebido nesta conversa, não reparou o macaco que ele é que corria o maior risco, e veio o carro e passou em riba do rabo dele e cortou. Estava um gato escondido dentro de uma moita, saltou no pedaço do rabo do macaco e correu. Correu também o macaco atrás, pedindo o seu pedaço de rabo. O gato disse:
— Só te dou, se me deres leite.
— Onde tiro leite? — disse o macaco.
Respondeu o gato:
— Pede à vaca.
O macaco foi à vaca e disse:
— Vaca, dá-me leite para dar ao gato, para o gato dar-me o meu rabo.
— Não dou; só se me deres capim! — disse a vaca.
— Donde tiro capim?
— Pede à velha.
— Velha, dá-me capim, para eu dar à vaca, para a vaca dar-me leite, o leite para o gato me dar o meu rabo.
— Não dou; só se me deres uns sapatos.

— Donde tiro sapatos?
— Pede ao sapateiro

— Sapateiro, dá-me sapatos, para eu dar à velha, para a velha me dar capim, para eu dar à vaca, para a vaca me dar leite, para eu dar ao gato, para o gato me dar o meu rabo.
— Não dou; só se me deres cerda.
— Donde tiro cerda?
— Pede ao porco.
— Porco, dá-me cerda, para eu dar ao sapateiro, para me dar sapatos, para eu dar à velha, para me dar capim, para eu dar à vaca, para me dar leite, para eu dar ao gato, para me dar o meu rabo.
— Não dou; só se me deres chuva.
— Donde tiro chuva?
— Pede às nuvens.
— Nuvens, dai-me chuva, para o porco, para dar-me cerda para o sapateiro, para dar-me sapatos para dar à velha, para me dar capim para dar à vaca, para dar-me leite para dar ao gato, para dar meu rabo…
— Não dou; só se me deres fogo.
— Donde tiro fogo?
— Pede às pedras.
— Pedras, dai-me fogo, para as nuvens, para a chuva para o porco, para cerda para o sapateiro, para sapatos para a velha, para capim para a vaca, para leite para o gato, para me dar meu rabo.
— Não dou; só se me deres rios.
— Donde tiro rios?
— Pede às fontes.
— Fontes, dai-me rios, os rios ser para as pedras, as pedras me dar fogo, o fogo ser para as nuvens, as nuvens me dar chuvas, as chuvas ser para o porco, o porco me dar cerda, a cerda ser para o sapateiro, o sapateiro fazer os sapatos, os sapatos ser para a velha, a velha me dar capim, o capim ser para a vaca, a vaca me dar o leite, o leite ser para o gato, o gato me dar meu rabo.
Alcançou o macaco todos os seus pedidos. O gato bebeu o leite, entregou o rabo. O macaco não quis mais, porque o rabo estava podre.


(Versão de Pernambuco, col

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O Macaco e o Rabo




Um macaco uma vez pensou em fazer fortuna. Para isso foi-se colocar por onde tinha de passar um carreiro com seu carro. O macaco estendeu o rabo pela estrada por onde deviam passar as rodeiras do carro. O carreiro, vendo isso, disse:
— Macaco, tira teu rabo do caminho, eu quero passar.
— Não tiro! — respondeu o macaco.
O carreiro tangeu os bois, e o carro passou por cima do rabo do macaco, e cortou-o fora. O macaco, então, fez um barulho muito grande:
— Eu quero meu rabo, ou então dê-me uma navalha…
O carreiro lhe deu uma navalha, e o macaco saiu muito alegre a gritar:
— Perdi meu rabo! Ganhei uma navalha!… Tinglin, tinglin, que vou para Angola!…
Seguiu. Chegando adiante, encontrou um negro velho, fazendo cestas e cortando os cipós com o dente.
O macaco:
— Oh, amigo velho, coitado de você! Ora, está cortando os cipós com o dente… tome esta navalha.
O negro aceitou, e quando foi partir um cipó, quebrou-se a navalha. O macaco abriu a boca no mundo e pôs-se a gritar:
— Eu quero minha navalha, ou então me dê um cesto!
O negro velho lhe deu um cesto e ele saiu muito contente gritando:
— Perdi meu rabo, ganhei uma navalha, perdi minha navalha, ganhei um cesto… Tinglin, tinglin, que vou para Angola!
Seguiu. Chegando adiante, encontrou uma mulher fazendo pão e botando na saia.
— Ora, minha sinhá, fazendo pão e botando na saia! Aqui está um cesto.
A mulher aceitou, e, quando foi botando os pães dentro, caiu o fundo do cesto. O macaco abriu a boca no mundo e pôs-se a gritar:
— Eu quero o meu cesto, quero o meu cesto, senão me dê um pão!
A mulher deu-lhe o pão, e ele saiu muito contente a dizer:
— Perdi meu rabo, ganhei uma navalha, perdi minha navalha, ganhei um cesto, perdi meu cesto, ganhei um pão… Tinglin, tinglin, que vou para Angola!
Seguiu. Chegando adiante, encontrou um violeiro. O violeiro estava com fome e o macaco lhe deu o pão. O violeiro comeu todo o pão e o macaco pôs-se a gritar: “Eu quero o meu pão, quero o meu pão, senão me dá a sua viola!. O violeiro deu a viola para o macaco e dessa vez ele saiu cantando satisfeito: “ Perdi meu rabo, ganhei uma navalha, perdi minha navalha, ganhei um cesto, perdi um cesto, ganhei um pão, perdi um pão ganhei uma viola... Tinglin, tinglin, que vou para Angola!... Seguiu e, pelo tempo que passou, já deve ter chegado lá!


(Versão de Sergipe, coletada por Sílvio Romero)

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Joãozinho-sem-medo
Ítalo Calvino


Era uma vez um menino chamado Joãozinho-sem-medo, pois não tinha medo de nada. Andando pelo mundo, pediu abrigo em uma hospedaria.
— Aqui não tem lugar — disse o dono. — Mas se você não tem medo, posso mandá-lo para um palácio.
— Por que eu sentiria medo?
— Porque ali todo mundo sente. Ninguém saiu de lá, a não ser morto. De manhã, a Companhia leva o caixão para carregar quem teve a coragem de passar a noite lá.
Imaginem Joãozinho! Levou um candeeiro, uma garrafa, uma lingüiça, e lá se foi.
À meia-noite, estava comendo sentado à mesa quando ouviu uma voz saindo da chaminé:
— Jogo?
E Joãozinho respondeu:
— Jogue logo!
Da chaminé desceu uma perna de homem. Joãozinho bebeu um copo de vinho.
Depois a voz tornou a perguntar:
— Jogo?
E Joãozinho:
— Jogue logo!
E desceu outra perna de homem. Joãozinho mordeu a lingüiça. De novo:
— Jogo?
— Jogue logo!
E desceu um braço. Joãozinho começou a assobiar.
— Jogo?
— Jogue logo!
Outro braço.
— Jogo?
— Jogue!
E caiu um corpo, que se colou nas pernas e nos braços, ficando em pé um homem sem cabeça.
— Jogo?
— Jogue!
Caiu a cabeça e pulou em cima do corpo. Era um homenzarrão gigantesco, e Joãozinho levantou o copo dizendo:
— À saúde!
O homenzarrão disse:
— Pegue o candeeiro e venha.

Joãozinho pegou o candeeiro, mas não se mexeu.
— Passe na frente! — disse Joãozinho.
— Você! — disse o homem.
— Você. — disse Joãozinho.
Então, o homem se adiantou e, de sala em sala, atravessou o palácio, com Joãozinho atrás, iluminando o caminho. Embaixo de uma escadaria havia uma portinhola.
— Abra! — disse o homem a Joãozinho.
E Joãozinho:
— Abra você!
E o homem abriu com um empurrão. Havia uma escada em caracol.
— Desça — disse o homem.
— Primeiro você — disse Joãozinho.
Desceram a um subterrâneo, e o homem indicou uma laje no chão.
— Levante!
— Levante você! — disse Joãozinho. E o homem a ergueu como se fosse uma pedrinha.
Embaixo da laje havia três tigelas cheias de moedas de ouro.
— Leve para cima! — disse o homem.
— Leve para cima você! — disse Joãozinho. E o homem levou uma de cada vez para cima.
Quando foram de novo para a sala da chaminé, o homem disse:
— Joãozinho, quebrou-se o encanto!
E arrancou-se uma perna, que saiu esperneando pela chaminé.
— Destas tigelas, uma é sua.
Arrancou-se um braço, que trepou pela chaminé.
— Outra é para a Companhia, que virá buscá-lo pensando que está morto.
Arrancou-se também o outro braço, que acompanhou o primeiro.
— A terceira é para o primeiro pobre que passar.
Arrancou-se outra perna e ele ficou sentado no chão.
— Pode ficar com o palácio também.
Arrancou-se o corpo e ficou só a cabeça no chão.
— Porque se perdeu para sempre a estirpe dos proprietários deste palácio.
E a cabeça se ergueu e subiu pelo buraco da chaminé.
Assim que o céu clareou, ouviu-se um canto:
— Miserere mei, miserere mei.
Era a Companhia com o caixão, que vinha recolher Joãozinho morto. E o viram na janela, fumando cachimbo.
Joãozinho-sem-medo ficou rico com aquelas moedas de ouro e morou feliz no palácio. Até um dia em que, ao se virar, viu sua sombra e levou um susto tão grande que morreu.