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sábado, 13 de abril de 2013


poesia





Ou Isto Ou Aquilo (Cecília Meireles)


Ou se tem chuva e não se tem sol,
ou se tem sol e não se tem chuva!
Ou se calça a luva e não se põe o anel,
ou se põe o anel e não se calça a luva!
Quem sobe nos ares não fica no chão,
quem fica no chão não sobe nos ares.
É uma grande pena que não se possa
estar ao mesmo tempo nos dois lugares!
Ou guardo o dinheiro e não compro o doce,
ou compro o doce e gasto o dinheiro.
Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo...
e vivo escolhendo o dia inteiro!
Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranqüilo.
Mas não consegui entender ainda
qual é melhor: se é isto ou aquilo.


SÁBADO, 29 DE MAIO DE 2010


NO MEIO DO CAMINHO

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra

Carlos Drummond de Andrade

O PERU



Glu! Glu! Glu!
Abram alas pro Peru!


O Peru foi a passeio
Pensando que era pavão
Tico-tico riu-se tanto
Que morreu de congestão.


O Peru dança de roda
Numa roda de carvão
Quando acaba fica tonto
De quase cair no chão.


O Peru se viu um dia
Nas águas do ribeirão
Foi-se olhando foi dizendo
Que beleza de pavão!


Glu! Glu! Glu!
Abram alas pro Peru!

Vinícius de Moraes

O PINGUIM




Bom-dia, Pingüim
Onde vai assim
Com ar apressado?
Eu não sou malvado
Não fique assustado
Com medo de mim.
Eu só gostaria
De dar um tapinha
No seu chapéu de jaca
Ou bem de levinho
Puxar o rabinho
Da sua casaca

Vinícius de Moraes

RELÓGIO




“Passa tempo, tic-tac Tic-tac, passa, hora
Chega logo tic-tac Tic-tac, e vai-te embora
Passa, tempo
Bem depressa
Não atrasa
Não demora
Que já estou Muito cansado
Já perdi
Toda a alegria
De fazer
Meu tic-tac
Dia e noite
Noite e dia
Tic-tac Tic-tac
Tic-tac.”

Vinícus de Moraes

A ESTRELA



Vi uma estrela tão alta,
Vi uma estrela tão fria!
Vi uma estrela luzindo
Na minha vida vazia.

Era uma estrela tão alta!
Era uma estrela tão fria!
Era uma estrela sozinha
Luzindo no fim do dia.

Por que da sua distância
Para a minha companhia
Não baixava aquela estrela?
Por que tão alto luzia?

E ouvi-a na sombra funda
Responder que assim fazia
Para dar uma esperança
Mais triste ao fim do meu dia.

Manuel Bandeira

INFÂNCIA



Meu pai montava a cavalo, ia para o campo.
Minha mãe ficava sentada cosendo.
Meu irmão pequeno dormia.
Eu sozinho menino entre mangueiras.
lia a história de Robinson Crusoé,
comprida história que não acaba mais.

No meio-dia branco de luz uma voz que aprendeu
a ninar nos longes da senzala - nunca se esqueceu
chamava para o café.
Café preto que nem a preta velha
café gostoso
café bom.

Minha mãe ficava sentada cosendo
olhando para mim:
- Psiu...Não acorde o menino.
Para o berço onde pousou um mosquito.
E dava um suspiro...que fundo!

Lá longe meu pai campeava
no mato sem fim da fazenda.

E eu não sabia que minha história
era mais bonita que a de Robinson Crusoé.
Carlos Drummond de Andrade


Lá na rua 21,
O pipoqueiro solta um pum.

Lá na rua 22,
O português diz: pois-pois.

Lá na rua 23,
João namora a bela Inês.

Lá na rua 24,
A Aninha tirou retrato.

Lá na rua 25,
Caiu um barraco de zinco.

Lá na rua 26,
O sorveteiro quer freguês .

Lá na rua 27,
Pedro chama a prima Bete.

Lá na rua 28,
A Verinha vende biscoito.

Lá na rua 29,
A molecada só se move.

Lá na rua 30,
Paro, pois a rima já num pinta.

Elias José

CANTIGA DO VENTO



O vento vem vindo
de longe,
de não sei onde,
vem valsando, vem brincando,
sem vontade de ventar.

Vem vindo devagar,
devagarinho,
mais viração
que vem em vão,
e vai e volta
e volta e vai.

De repente,
o vento vira rock
e vira invencível serpente.
E voa violento
e vai velhaco,
vozeirão varrendo
várzeas, verduras
e violetas.

E vira violinista
vibra na vidraça,
vira copo e vira taça,
e zoa e zoa e zoa
- uma zorra!

O vento, mesmo veloz,
tem tempo pra brincadeira,
tem tempo pra causar vexame.
E enche a casa de sujeira
e ergue o vestido da madame.

Elias José

ABACATE



Ah! bacate,
abra e cate,
ou cate e abra
um abacate.



Ou melhor ainda,
cate e guarde
enroladinho num jornal velho
o abacate.



Dois dias depois,
ele vai saber as notícias de cor.
E você sentirá o macio de dentro
da dura casca.



Aí, sim, cate o abacate
e o parta em duas partes.
De um lado, ficará meia polpa
e a grande e bela semente,
esperando ser plantada um dia.



E faça da dura casca uma taça
e com uma colher amasse a massa
verde-clara do abacate.
Ponha pingos de limão,
ponha açúcar ou mel
e se delicie com o abacate.



Fonte: ELIAS, José. Poesia é fruta doce e gostosa. São Paulo: FTD, 2006.

SEXTA-FEIRA, 28 DE MAIO DE 2010


GRILO GRILADO




O grilo,
coitado,
anda grilado,
e eu sei
o que há.

Salta pra aqui,
salta pra ali.
Cri-cri pra cá,
cri-cri pra lá.

O grilo,
coitado,
anda grilado
e não quer contar.
No fundo,
não ilude,
é só reparar
em sua atitude
pra se desconfiar.

O grilo,
coitado,
anda grilado
e quer um analista
e quer um doutor.

Seu Grilo,
eu sei:
o seu grilo
é um grilo
de amor.

Elias José*



Vovó Maroca
toda cocota
toda vaidade
setenta anos
é mais pra frente
que muita gente
de pouca idade.



Vovó Maroca
se é calor
apanha a tanga
pega a motoca
vai pegar cor.



Vovó Maroca
se vai a festa
não se definha
não perde a linha
e ainda testa

o que é novidade
pra mocidade.



Vovó Maroca
se apruma
e se arruma
é um modelo

frente ao espelho.
Só “jeans” azuis
bata estampada
pouca pintura
e nada de tintura
no seu cabelo.



Vovó Maroca
não tem segredo.
E se há problema
só há um lema:
não ter medo

e enfrentar a vida
de cabeça erguida.

Elias José


CAINDO NA REAL



Um vaga-lume, na noite,
brinca de estrela cadente;
baila, pisca, pisca, baila,
pingo de luz resplendente.
E tão entretido estava,
bêbado de tanta alegria
que nem percebeu que o sol
chegava, trazendo o dia...
A luz que doura a manhã
feriu-lhe como um açoite;
desencantado, entendeu
que só existe na noite.

Cineas Santos&Antônio Amaral. Ciranda Desafinada. São Paulo, 2008



VONTADES

Lívia vivia dizendo
Que queria ser Cegonha,
Zebra,
Peixe,
Borboleta,
Abelha,
Gata,
Ou passarinho.

Coruja não,
Que é muito feia
E, coitada, nem dorme direito.

Girafa não,
Que é muito grande
E só tem pinta,
Carne,
Osso
E aquele imenso,
Imenso pescoço.

Um dia,
Lívia sonhou
que virou sabiá.
Muito bonita era,
mas como sofria!
toda noite
e todo dia,
pulando pra lá e pra cá,
Fechadinha na gaiola,
Sem poder voar.

Lívia
Acordou chorando.
E abriu a goela,
gritando pra mãe
que era duro
ser bicho
e agora queria ser só ela.



Elias José. Namorinho de portão. São Paulo. Moderna. 2008


Elias José. Namorinho de portão. São Paulo. Moderna. 2008




Inho – Não!

Andrezinho tem três anos
E já se acha bem grandão:
É por isso que não gosta
De diminutivo, e então
Não suporta que lhe digam
“Dê a mãozinha” – (em vez de mão),
Ou que mandem: “A boquinha
Abre e come, coração!”.
“Inho”, “inha”, “ito”, “ita”,
São pra ele humilhação,
O diminutivo o irrita:
O Andrezim prefere um “ão”!
Chama “gala” a galinha,
Não aceita correção;
“Escrivana”, a escrivaninha,
E o vizinho é “vizão”;
Chama “coza” a cozinha,
O toucinho é “toução”,
É “campana” a campainha –
E ele próprio é o “Dezão”...

Tatiana Belinky. Um Caldeirão de Poemas. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2003.

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