Prova Brasil
Leitura de textos de complexidades diferentes
A prova pede a compreensão de textos de diferentes complexidades – dadas pela coerência, pela organização, pelo vocabulário etc. –, ainda que com gênero e enredo iguais
Anderson Moço (anderson.moco@fvc.org.br)
A complexidade dos textos apresentados na Prova Brasil é outro fator que influencia o grau de dificuldade das tarefas. A causa disso é a escolha pelo autor dos termos, da organização das frases, dos recursos de coesão e coerência e, enfim, da forma de tratar o conteúdo. Essa diferenciação pode ocorrer dentro de um mesmo gênero. Isso fica claro nas perguntas que exigem a leitura de uma fábula. Apesar de todos os textos desse gênero possuírem características iguais, cada um deles apresenta uma textualidade. Uma mesma fábula, portanto, pode ter diferentes versões em função de sua linguagem. Por isso, os estudantes que têm contato em classe com um variado repertório de leitura conseguem acertar o que se pede com mais facilidade.
Uma das obras do gênero trabalhadas na Prova Brasil é O Galo e a Raposa (leia no primeiro quadro abaixo), de Esopo, fabulista grego do século 6 a.C. Considere a questão: por que a raposa queria que o galo descesse da árvore? Ela mobiliza a capacidade relativa a "Estabelecer relação de causa e consequência entre partes e elementos dele" (descritor 8).
A resposta certa é a seguinte: para que pudesse pegá-lo e comê-lo, pois raposas comem galos. Chegar a essa conclusão é fundamental para compreender a narrativa, pois ela remete às relações de causalidade entre as ações dos bichos e também à natureza da relação entre eles - predador e vítima -, sem a qual o desenvolvimento da trama não seria possível. Da mesma forma, quando não há o entendimento desses aspectos, alguns recursos linguísticos - como a ironia na fala da raposa - também não podem ser compreendidos.
Para responder à questão "por que o galo disse que viu cachorros vindo ao longe?", os alunos precisam "Inferir uma informação implícita em um texto" (descritor 4). Dessa forma, concluem que o galo percebeu o estratagema da raposa para pegá-lo, já que ela é predadora dele e, da mesma forma, o cachorro é inimigo da raposa. Outros meios de chegar a essa constatação seriam eles já terem isso em seu repertório prévio ou recuperarem o dado em algum trecho. Para ambas as habilidades, a familiaridade com leituras variadas é essencial.
Diferentes habilidades para entender o mesmo enredo
Com outra versão da mesma fábula, a complexidade da tarefa muda. Vamos estabelecer como exemplo a escrita por Monteiro Lobato (1882-1948), nomeada O Galo Que Logrou a Raposa (leia no segundo quadro abaixo). Do mesmo modo que no exemplo anterior, as informações requeridas não são apresentadas explícita e diretamente. Para responder por que a raposa queria que o galo descesse da árvore, o aluno pode recorrer a noções que já possui sobre a relação entre galo e raposa e raposa e cachorro.
Caminhos alternativos são ler o primeiro parágrafo, recuperar o sentido da expressão "te curo" e, depois, articular isso aos dados contidos no segundo parágrafo, em especial o trecho "acabou-se a guerra entre os animais".
Para dar conta da segunda pergunta (Por que o galo disse que viu cachorros vindo ao longe?), ao contrário, não há informações explícitas, sendo necessário tanto "Inferir uma informação..."(descritor 4) como articular as que estão nos últimos quatro parágrafos. Nesse sentido, podemos dizer que, quando se considera a segunda fábula - ainda que ela tenha o mesmo enredo e esteja organizada dentro do mesmo gênero -, o esforço do leitor para indicar a alternativa certa da mesma tarefa é maior do que se a base for a primeira. Isso ocorre por suas características de linguagem.
Outro tipo de desafio comum na Prova Brasil é o que leva o estudante a "Estabelecer relações entre partes de um texto, identificando repetições ou substituições que contribuem para a continuidade de um texto" (descritor 2). Se a base fosse a primeira fábula (O Galo e a Raposa), uma tarefa poderia ser determinar a quem se refere a expressão "sua voz". A complexidade dela não é grande, pois o sujeito ao qual ela se liga está na frase anterior. Já se problema semelhante fosse dado à criança após a leitura da narrativa de Lobato - identificar a quem se refere "raspou-se" -, a dificuldade seria maior. Caberia a ela localizar a raposa dois parágrafos acima.
Uma das obras do gênero trabalhadas na Prova Brasil é O Galo e a Raposa (leia no primeiro quadro abaixo), de Esopo, fabulista grego do século 6 a.C. Considere a questão: por que a raposa queria que o galo descesse da árvore? Ela mobiliza a capacidade relativa a "Estabelecer relação de causa e consequência entre partes e elementos dele" (descritor 8).
A resposta certa é a seguinte: para que pudesse pegá-lo e comê-lo, pois raposas comem galos. Chegar a essa conclusão é fundamental para compreender a narrativa, pois ela remete às relações de causalidade entre as ações dos bichos e também à natureza da relação entre eles - predador e vítima -, sem a qual o desenvolvimento da trama não seria possível. Da mesma forma, quando não há o entendimento desses aspectos, alguns recursos linguísticos - como a ironia na fala da raposa - também não podem ser compreendidos.
Para responder à questão "por que o galo disse que viu cachorros vindo ao longe?", os alunos precisam "Inferir uma informação implícita em um texto" (descritor 4). Dessa forma, concluem que o galo percebeu o estratagema da raposa para pegá-lo, já que ela é predadora dele e, da mesma forma, o cachorro é inimigo da raposa. Outros meios de chegar a essa constatação seriam eles já terem isso em seu repertório prévio ou recuperarem o dado em algum trecho. Para ambas as habilidades, a familiaridade com leituras variadas é essencial.
Diferentes habilidades para entender o mesmo enredo
Com outra versão da mesma fábula, a complexidade da tarefa muda. Vamos estabelecer como exemplo a escrita por Monteiro Lobato (1882-1948), nomeada O Galo Que Logrou a Raposa (leia no segundo quadro abaixo). Do mesmo modo que no exemplo anterior, as informações requeridas não são apresentadas explícita e diretamente. Para responder por que a raposa queria que o galo descesse da árvore, o aluno pode recorrer a noções que já possui sobre a relação entre galo e raposa e raposa e cachorro.
Caminhos alternativos são ler o primeiro parágrafo, recuperar o sentido da expressão "te curo" e, depois, articular isso aos dados contidos no segundo parágrafo, em especial o trecho "acabou-se a guerra entre os animais".
Para dar conta da segunda pergunta (Por que o galo disse que viu cachorros vindo ao longe?), ao contrário, não há informações explícitas, sendo necessário tanto "Inferir uma informação..."(descritor 4) como articular as que estão nos últimos quatro parágrafos. Nesse sentido, podemos dizer que, quando se considera a segunda fábula - ainda que ela tenha o mesmo enredo e esteja organizada dentro do mesmo gênero -, o esforço do leitor para indicar a alternativa certa da mesma tarefa é maior do que se a base for a primeira. Isso ocorre por suas características de linguagem.
Outro tipo de desafio comum na Prova Brasil é o que leva o estudante a "Estabelecer relações entre partes de um texto, identificando repetições ou substituições que contribuem para a continuidade de um texto" (descritor 2). Se a base fosse a primeira fábula (O Galo e a Raposa), uma tarefa poderia ser determinar a quem se refere a expressão "sua voz". A complexidade dela não é grande, pois o sujeito ao qual ela se liga está na frase anterior. Já se problema semelhante fosse dado à criança após a leitura da narrativa de Lobato - identificar a quem se refere "raspou-se" -, a dificuldade seria maior. Caberia a ela localizar a raposa dois parágrafos acima.
O Galo e a Raposa
No meio dos galhos de uma árvore bem alta um galo estava empoleirado e cantava a todo o volume. Sua voz esganiçada ecoava na floresta. Ouvindo aquele som tão conhecido, uma raposa que estava caçando se aproximou da árvore. Ao ver o galo lá no alto, a raposa começou a imagina algum jeito de fazer o outro descer. Com a voz mais boazinha do mundo, cumprimentou o galo, dizendo:
- Ó meu querido primo, por acaso você ficou sabendo da proclamação de paz e harmonia universal entre todos os tipos de bichos da terra, da água e do ar? Acabou essa história de ficar tentando agarrar os outros para comê-los. Agora vai ser tudo na base do amor e da amizade. Desça para a gente conversar com calma sobre as grandes novidades!
O galo, que sabia que não dava para acreditar em nada do que a raposa dizia, fingiu que estava vendo uma coisa lá longe. Curiosa, a raposa quis saber o que ele estava olhando cm ar tão preocupado.
- Bem - disse o galo - , acho que estou vendo uma matilha de cães ali adiante.
- Nesse caso, é melhor eu ir embora - disse a raposa.
- O que é isso, prima? - disse o galo. - Por favor, não vá ainda! Já estou descendo! Não vá me dizer que está com medo dos cachorros nesses tempos de paz?!
- Não, não é medo - disse a raposa - mas... e se eles ainda não estiverem sabendo da proclamação?
Moral: cuidado com as amizades muito repentinas
Moral: cuidado com as amizades muito repentinas
Fonte: Fábulas de Esopo, Ed. Companhia das Letrinhas
O Galo Que Logrou a Raposa
Um velho galo matreiro, percebendo a aproximação da raposa, empoleirou-se numa árvore. A raposa, desapontada, murmurou consigo: "Deixa estar, seu malandro, que já te curo!..." E, em voz alta:
- Amigo, venho contar uma grande novidade: acabou-se a guerra entre os animais. Lobo e cordeiro, gavião e pinto, onça e veado, raposa e galinhas, todos os bichos andam agora aos beijos como namorados. Desça desse poleiro e venha receber o meu abraço de paz e amor.
- Muito bem! - exclamou o galo. Não imagina como tal notícia me alegra! Que beleza vai ficar o mundo, limpo de guerras, crueldade e traições! Vou já descer para abraçar a amiga raposa, mas... como lá vêm vindo três cachorros, acho bom esperá-los, para que também eles tomem parte na confraternização.
Ao ouvir falar em cachorro, dona Raposa não quis saber de histórias e tratou de pôr-se ao fresco, dizendo:
- Infelizmente, amigo Co-ri-có-có, tenho pressa e não posso esperar pelos amigos cães. Fica para outra vez a festa, sim? Até logo.
Contra esperteza, esperteza e meia.
Fonte: Fábulas, Ed. Brasiliense
Reportagem sugerida pelos leitores Denise Morais, Ataleia, MG, Diógenes Henrique Rodrigues da Silva, Itapipoca, CE, Kezya Bernardino, Acarau, CE, e Priscila Santana Suetu, Planaltina, DF
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