Como funciona a amarelinha
A amarelinha é uma das brincadeiras de rua mais tradicionais do Brasil. Percorrer uma trajetória de quadrados riscados no chão de pulo em pulo tinha o nome “pular macaca” quando chegou aqui, com os portugueses, há mais de 500 anos. Hoje, em tempos de jogos eletrônicos, internet e televisão, surpreendentemente a brincadeira simples sobrevive firme e forte nos hábitos de milhões de crianças.
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Uma pesquisa encomendada pela Unilever em 2006 mostrou que 44% dos nossos pequenos têm o costume de brincar de amarelinha, bambolê e pular corda, enquanto 38% brincam com videogame portátil ou ligado à TV.
Talvez seja pelo fato de a amarelinha ser tão fácil (e divertida) de brincar. Não são precisos aparelhos ou eletricidade, acessórios caros. Dá para pular dentro de casa, no quintal, na rua, na escola... Basta ter um pedaço de chão, algo para desenhar o riscado e um objeto pequeno para marcar as “casas”.
Sua capacidade de atravessar gerações e gerações pode ser creditada também ao fato de a brincadeira ser uma metáfora da vida: “atingir o céu, não cometer erros no percurso e sempre evitar o inferno”, descreve Renata Meirelles, autora do livro Giramundo.
Neste artigo, vamos conhecer alguns dos infinitos nomes da brincadeira e aprender diversas maneiras de se pular.
Espaço e materiais necessários
Onde brincar
Dá para pular amarelinha em qualquer trecho de piso plano (pode ser dentro de casa, na calçada, numa rua sem movimento).
Material necessário
Um giz para marcar asfalto ou gravetos, para chão de terra. Em pisos que não podem ser riscados (como o de casa), fita adesiva resolve o problema. Por fim, a brincadeira pede uma pedrinha, um caco ou outro objeto para ser colocado nas “casas” do desenho e aumentar o grau de dificuldade a cada etapa.
Como se brinca
O padrão é o seguinte: a pedra é lançada na primeira casa e o jogador deve percorrer o trajeto do traçado pulando (ora com um pé, ora com os dois), evitando o quadrado onde a pedra caiu. A sequência se repete enquanto a pedra avança de casa em casa e o grau de dificuldade aumenta.
Formas de brincar
Em cada canto do país, as crianças brincam de um modo diferente e chamam a brincadeira por nomes diferentes também. Veja a seguir algumas das formas de pular divididas pelo tipo de traçado.
• Traçado em linha
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Amarelinha (costume em São Paulo e Rio de Janeiro)
Desenhe no chão um diagrama com quadrados, intercalando quadrados solitários com duplas e numerando cada um de 1 a 10. No topo, faça uma meia-lua – este será o "Céu". Antes da casa número 1, outra meia-lua: o "Inferno".
Comece a brincadeira atirando a pedrinha na casa 1. Pule a casa 1 e vá passando todas as outras casas. Seu objetivo será passar por todas as outras casas (pisando com apenas um pé nas únicas e com os dois nas duplas) até chegar no Céu, onde pisará com os dois pés. De lá, retorne do mesmo jeito, só que, dessa vez, pare antes da casa 1 e, com apenas um pé no chão, se abaixe para pegar a pedrinha e pule em direção ao início do jogo. Cuidado para não cair no Inferno!
Recomece jogando a pedra na casa 2 e assim por diante, pulando sempre a casa onde está a pedra. Se você errar a mira e a pedrinha cair fora da casa certa, perde a vez. Isso também acontece com quem pisar no inferno, colocar os dois pés no chão nas casas únicas ou na hora de recolher a pedrinha que estiver em casa dupla.
Macaca (costume no Acre, Pará, Amapá, Ceará, Rio Grande do Sul e Piauí)
O diagrama da macaca é parecido com o da amarelinha. Mudam basicamente duas coisas: o desenho começa com duas casas únicas, o Céu é dividido em "Lua" e "Estrela" e não há Inferno.
A brincadeira é muito popular nos Estados do Norte do Brasil, onde, em vez de usar uma pedra, as crianças usam um saquinho cheio de terra chamado “patáculo”, segundo Renata Meirelles, autora do livro "Giramundo". Cada participante tem seu próprio patáculo, que é guardado em pequenos quadrados desenhados ao lado da primeira casa do diagrama.
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Para começar, o jogador lança o patáculo na primeira casa e segue o percurso pisando com apenas um pé nas casas únicas e com os dois nas duplas (um em cada uma) até chegar ao Céu. Na volta, apanha o saquinho. A seqüência se repete em todas as casas, inclusive na Lua e na Estrela.
Se colocar o pé no chão na hora errada, perde a vez e seu patáculo fica no lugar onde foi deixado. Nenhum dos jogadores poderá pisar naquela casa. Com o passar do tempo, os patáculos vão se acumulando, e o jogo fica mais difícil.
Quem completar todo o ciclo vai para o Céu, vira de costas e joga o saquinho para trás sem olhar. A casa onde ele cair (se conseguir cair dentro de alguma) passa a ser “propriedade” daquele jogador. Isso quer dizer que ninguém mais além dele poderá pisar naquela casa.
Esse jogador recomeça a brincadeira, dessa vez pulando com um pé só em todas as casas e, depois de completar essa etapa, faz o mesmo pulando com os dois pés juntos.
Cademia (costume em Pernambuco)
O desenho do “tabuleiro ” da cademia tem um Céu, uma casa dupla chamada "asa" e algumas casas únicas.
A primeira parte da brincadeira é igual à da amarelinha tradicional com a diferença que, quando terminar a última volta com a pedra na "Goga", a criança deve jogar a pedra no Céu e contorná-lo com um pé só antes de voltar ao início.
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Passada esta fase, chega o momento de repetir a brincadeira, só que levando a pedra (sem deixar cair) em partes do corpo: sobre o peito do pé, as costas da mão e, por último, na testa. Esta é a mais difícil, porque, para não derrubar a pedra, o jogador não pode olhar para baixo – e corre risco maior de pular fora das casas.
Terminadas as etapas, o jogador vai para atrás do Céu e, de costas para o riscado, joga a pedra por cima da cabeça. A casa onde ela cair será sua. Ele a marca escrevendo seu nome, de forma que nenhum outro jogador poderá pisar nela mais. Quanto mais gente chegar a essa etapa, mais difícil fica a brincadeira.
• Traçado de quadrado
Cademia do pão-doce (costume em Pernambuco)
Desenhe um diagrama como o da figura abaixo : um retângulo com seis casas dividas em duas fileiras de três e uma área oval no topo, que será o Céu.
Assim como na amarelinha, a brincadeira começa com o primeiro participante jogando uma pedrinha na primeira casa. Sem pisar na casa com a pedra, ele tem que pular em um pé só de uma casa para outra, seguindo a seqüência de uma fileira e depois voltando na do lado. A seqüência se repete até que a pedrinha tenha passado por todas as casas.
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O próximo passo é jogar a pedra no Céu. O caminho fica mais longo agora: quando chegar na terceira casa, o jogador deve contornar, ainda com um pé só, a área do Céu e depois continuar o percurso comum.
Quando completar essas sete etapas, ele ganha uma casa, onde deixa um objeto e só ele pode pisar nas próximas rodadas.
A brincadeira pode ter alguns “descontos” se os jogadores quiserem. Isso se chama jogar “no mole”. Eles podem desenhar uma “pegada” na primeira casa para encaixar o pé e facilitar o lançamento da pedra nas casas mais afastadas ou no “Céu”. Outra opção é criar uma área lateral que serve como estepe para os jogadores usarem quando tiverem que pular uma casa que já tenha “dono”.
Amarelinha do caco (costume em Pernambuco)
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O diagrama é formado por um quadrado, com um “x” no meio (formando quatro casas), uma área em meia-lua no topo (o “Céu”) e um quadrado menor na outra extremidade (a casa 1).
A brincadeira começa com o primeiro jogador lançando uma pedrinha (ou um caco de telha) na primeira casa. Um dos pés servirá para pular. Com o outro, que não deve encostar no chão, o jogador chuta a pedrinha de casa em casa até completar o circuito.
Cuidado: os dois pés não podem tocar o chão ao mesmo tempo (quem precisar de um descanso, pode fazer isso no Céu) e não deve chutar a pedra forte demais, senão ela pode cair fora dos limites da casa ou pular alguma (da 3ª para a 5ª casa sem passar pela 4ª, por exemplo) ou ainda ficar em cima de uma das linhas. Essas situações fazem o jogador perder a vez.
A próxima fase é percorrer todo o trajeto pulando em um pé só e carregando a pedra em diferentes partes do corpo: na cabeça, sobre o joelho, o ombro, no pé etc.
• Círculo
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Caracol (costume em todo país)
Trace no chão uma grande espiral, começando do meio para fora e divida o interior em “casas”, como na figura abaixo . No centro, fica o Céu.
O número de casas é decidido pelos jogadores no início. Quanto mais longo o caracol, mais difícil fica a brincadeira.
O objetivo é percorrer, pulando num pé só, todas as casas até chegar no Céu, onde se pode colocar os dois no chão. Depois de um breve descanso, o jogador volta do mesmo jeito, pulando a casa onde está a pedra na ida, e pegando a pedra na volta. Se conseguir fazer todo o percurso sem encostar os dois pés no chão (exceto quando está no Céu), ele “ganha” uma casa de sua escolha. Ele fará um desenho nela e, a partir daí, só ele poderá pisar naquela casa. As outras crianças deverão pular essa casa. A brincadeira vai ficando mais e mais difícil à medida que as crianças vão conquistando novas casas.
Curiosidades
Os nomes da brincadeira
Sabe como se chama amarelinha em cada região do país? Academia (RN e PB), avião (AL e RJ), boneca (PI), cademia (PE), cancão (MA), macacão (SE), macaco (BA), pula-pula (PB), amarelinha (SP e RJ), maré (RJ e RS), quadrinhos (PB), queimei (SC), sapata (RS), casco (RJ), amarelas (RJ e MG), casa de boneca (CE), céu e inferno (PB e PR), macaca (AC, PA, AP, CE, RS e PI).
Não é só no Brasil que se brinca de amarelinha. Nos EUA, a brincadeira é chamada de hopscotch; em Portugal, macaca; na França, marelle, que, adaptado ao português, deu origem ao nome “amarelinha”. Nos países da América Latina, os nomes mais comuns são coroza, golosa e rayuela.
Versão moderna
Apesar de a amarelinha ser brincada, geralmente, em ruas e pátios escolares, hoje em dia dá para brincar até dentro de casa e em sala de aula sem ter que riscar o chão. Diversas empresas de brinquedos oferecem tapetes com o riscado da amarelinha.
A amarelinha e as religiões
Enquanto Renata Meirelles aponta elementos cristãos na essência da brincadeira, Rodolfo Domenico Pizzinga, mestre em Educação e doutor em Filosofia, defende que a amarelinha ajuda a transmitir às crianças a mensagem da cabala judaica, já que o riscado se assemelha à Árvore Sefirótica, um diagrama de “emanações” conhecidas como "sefirots" que representam os elementos relacionados à criação do mundo.
Fonte
• MEIRELLES, Renata in Giramundo e outros brinquedos e brincadeiras dos meninos do Brasil. São Paulo: Editora Terceiro Nome, 2007.