O que é Educação Infantil?
Historicamente, no Brasil, a Educação Infantil tem sido encarada de diversas formas: como função de assistência social, como função sanitária ou higiênica e, mais recentemente, como função pedagógica. De modo geral, podemos dizer que, em nosso país, existem dois tipos de Educação Infantil, constituindo um sistema educacional que visa, desde a mais tenra idade, reforçar a exclusão e a injustiça social presente na economia capitalista: há a “Educação Infantil dos Pobres” e a “Educação Infantil dos Ricos”.
A “Educação Infantil dos Pobres” baseia-se na concepção de que as crianças das classes trabalhadoras têm deficiências de todos os tipos (nutricionais, culturais, cognitivas, etc.), as quais precisam ser compensadas pela escola, a fim de que, no futuro, as crianças possam ter alguma instrução e, assim, desempenhar o seu papel na sociedade: o de trabalhador.
As mães da classe trabalhadora precisam de algum lugar onde possam deixar seus filhos durante o dia, e para isto foram criadas as creches e pré-escolas públicas, local onde as crianças poderiam suprir as carências provenientes do seu meio ambiente social. Visto que tais crianças são consideradas muito “carentes”, qualquer atendimento dado a elas é satisfatório, pois já pode ser visto como uma melhoria nos estímulos que recebem no seu meio ambiente natural.
Deste modo, cria-se um atendimento na Educação Infantil onde encontramos: classes superlotadas, poucos adultos para atender a um número grande de crianças; espaços físicos improvisados e inadequados, onde as crianças não podem se movimentar livremente (porque o espaço é pequeno e/ou perigoso), bem como não encontram estímulos ou desafios; despreocupação com os aspecto essenciais da Educação Infantil, o educar e o cuidar (indissociáveis um do outro), afinal, a criança está ali apenas para que a sua mãe possa trabalhar; adultos que atuam junto às crianças, com pouca ou nenhuma formação pedagógica, já que não são considerados como educadores, mas como babás.
Do outro lado, temos a “Educação Infantil dos Ricos”. Ela também foi criada devido à necessidade que as mulheres/mães, hoje em dia, têm de trabalhar fora de casa, mas apresenta concepções e práticas diferentes. Os pais, neste caso, pagam caro para que as crianças freqüentem as “escolinhas”, por isto as instituições esforçam-se para atender aos anseios das famílias, que esperam garantir a melhor educação possível para os filhos, preparando-os para as provas que o futuro reserva, como o vestibular e o mercado de trabalho.
Aqui a Educação Infantil tem a função de preparar a criança para o ingresso, com sucesso, na primeira série do Ensino Fundamental. Por isto é preciso desenvolver as habilidades cognitivas: treina-se a coordenação motora; ensina-se a criança para reconhecer e copiar letras e números; e, a fim de promover a boa saúde das crianças, ensina-se hábitos de higiene e boas maneiras. As escolas têm infra-estrutura muito rica, com piscinas, quadras de esportes e salas de informática, além de estarem sempre limpas, e com murais enfeitados.
Para mostrar o desenvolvimento dos alunos, as escolas procuram organizar eventos para as famílias, como festas onde as crianças apresentam números artísticos, acerca de temas relativos às “Datas Comemorativas”. Ou realizam reuniões pedagógicas onde entregam aos pais os “trabalhinhos” das crianças: tarefas mimeografadas, o livro didático preenchido, e as atividades artísticas, além de relatórios sobre as crianças (sob a forma descritiva ou folhas do tipo questionário de múltipla escolha, preenchidos pelo professor).
Entretanto, podemos perguntar: Serão estas propostas pedagógicas suficientes para garantir o direito das criança a uma Educação Infantil que estimule o seu desenvolvimento integral? Em busca de respostas, encontramos algumas pistas, por exemplo, na concepção do psicanalista Winnicott:
“A função da escola maternal não é ser um substituto para uma mãe ausente, mas suplementar e ampliar o papel que, nos primeiros anos da criança, só a mãe desempenha. Uma escola maternal, ou jardim de infância, será possivelmente considerada, de modo mais correto, uma ampliação da família ‘para cima’, em vez de uma extensão ‘para baixo’ da escola primária.” (WINNICOTT, 1982, p. 214)
A Educação Infantil surgiu quando as mulheres precisaram buscar seu espaço no mercado de trabalho. Por isso, a educação das crianças de 0 a 6 anos desempenha um importante papel social. Entretanto, não pode ser considerada substituta das mães, o que acarreta uma confusão de papéis acerca da função da Educação Infantil. Por um lado, provoca uma desvalorização dos profissionais que atuam neste nível de ensino; considerando-se que estes educadores não precisam de uma sólida formação teórico-prática, basta que saibam cuidar adequadamente do bem-estar físico das crianças, evitando sujeira, doença ou bagunça. Por outro lado, considera-se que esta é uma “extensão para baixo” da escola fundamental, onde as crinças devem ser treinadas para o acesso à primeira série. Os educadores, desta forma, também não precisam de sólida formação (são menos qualificados que os de outros níveis de ensino), e devem ser mais sóbrios na relação com as crianças, para facilitar a adaptação destas na 1ª série.
Winnicott aponta um caminho diferente. Quando afirma que a Educação Infantil seria melhor considerada uma “ampliação para cima da família”, o autor pretende apontar para o fato de que, ao entrar na escola, a criança não deixa de lado a vida afetiva (centrada sobretudo na mãe) que vivia no lar. Ao contrário, ela está ali para ampliá-la, relacionando-se com os educadores e com outras crianças, de diversas idades, com valores culturais e familiares diferentes dos seus. É importante, também, ressaltar que qualquer aprendizagem está intimamente ligada à vida afetiva. Por tanto não cabe à escola minimizar esta vida afetiva, mas sim ampliá-la, criando um ambiente sócio-afetivo saudável para a criança na escola.
Acerca destas tarefas de socialização, de natureza sobretudo afetiva, podemos, também, acrescentar:
“As tarefas das crianças pequenas nas creches e pré-escolas são muitas e de grande importância para o seu desenvolvimento cognitivo e emocional, e o principal instrumento de que utilizam são as brincadeiras. Nesses locais, elas têm de aprender a brincar com as outras, respeitar limites, controlar a agressividade, relacionar-se com adultos e aprender sobre si mesmas e seus amigos, tarefas estas de natureza emocional.
O fundamental para as crianças menores de seis anos é que elas se sintam importantes, livres e queridas.” (LISBOA, 2001)
Entretanto, a Educação Infantil não se restringe ao aspecto social e afetivo, embora eles sejam de fundamental importância para garantir as demais aprendizagens. Porém, qual tipo de organização pedagógica poderá permear estas aprendizagens? Novamente o Dr. Antônio márcio Lisboa, pediatra, pode contribuir para a nossa resposta:
“A escola dos pequeninos em de ser um ambiente livre, onde o princípio pedagógico deve ser o respeito à liberdade e à criatividade das crianças. Nela, os pequeninos devem poder se locomover, ter atividades criativas que permitam sua auto suficiência, e a desobediência e a agressividade não devem ser coibidas e, sim, orientadas, por serem condições necessárias ao sucesso das pessoas.” (LISBOA, 1998, p. 15)
Entendemos que a organização do trabalho pedagógico na Educação Infantil deve ser orientada pelo princípio básico de procurar proporcionar, à criança, o desenvolvimento da autonomia, isto é, a capacidade de construir as suas próprias regras e meios de ação, que sejam flexíveis e possam ser negociadas com outras pessoas, sejam eles adultos ou crianças. Obviamente, esta construção não se esgota no período dos 0 aos 6 anos de idade, devido às próprias características do desenvolvimento infantil. Mas tal construção necessita ser iniciada na Educação Infantil.
Consideramos que a Educação Infantil tradicional não procura desenvolver a autonomia, mas sim a heteronomia, ou seja, a dependência, da criança, de regras e meios de ação ditados pelo adulto. A heteronomia é característica do pensamento das crinças de 0 a 6 anos, entretanto, a escola tradicional a reforça. A criança, neste modelo pedagógico, deve sempre esperar a ordem do adulto: ver o modelo do exercício mimeografado antes de fazê-lo; ver a maneira correta de realizar um trabalho manual antes de iniciá-lo; esperar que o adulto resolva o conflito com a outra criança (premiando uma das partes e repreendendo a outra); esperar a ordem para que possa levantar-se da cadeirinha e movimentar-se (como o adulto pede), como bem relata Lisboa:
“Chega ao colégio e – surpresa! – pedem-lhe que faça um navio. A coisa que ele mais gosta: desenhar. Faz um navio lindo, redondo como a lua, cheio de árvores no interior e com dois bichos nadando – elefantes, diz ele. A professora olha a obra de arte, pergunta o que é e recebe a resposta: ‘Um navio!’ Carinhosamente, a professora vai até o quadro e desenha um navio clássico, com velas, proa e popa, um digno navio de adulto, e diz: ‘João Paulo, isto é um navio e elefante não nada!’ João Paulo havia feito um navio original, diferente dos outros, lindo, nunca feito por alguém. Havia criado o primeiro navio redondo, e a professora, que seguramente não havia lido O Pequeno Príncipe, deu-lhe uma lição de como as pessoas devem ser bitoladas desde criancinhas.” (LISBOA, 1998, p. 15)
Certamente, este não é o melhor modelo pedagógico, se pretendemos o desenvolvimento integral e a construção da autonomia infantil. Para que a criança possa alcançar estes objetivos o modelo pedagógico deve proporcionar-lhe situações em que ela possa vivenciar as mais diversas experiências, fazer escolhas, tomar decisões, socializar conquistas e descobertas. Vale ressaltar que não se trata de um trabalho espontaneísta, onde o adulto não organiza objetivamente as atividades oferecidas às crianças, assumindo um papel de mero espectador, que observa e espera o desenvolvimento dos pequeninos.
Trata-se de uma organização do trabalho pedagógico em que o adulto/educador e as crianças têm, ambos, papéis ativos. Cabe ao educador pesquisar e conhecer o desenvolvimento infantil a fim de poder organizar atividades onde a criança possa experimentar situações as mais diversas, que possam lhe proporcionar, como veremos no quadro que se segue:
OBJETIVOS NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Sentir-se segura e acolhida no ambiente escolar, utilizando este novo espaço para ampliar suas relações sociais e afetivas, estabelecendo vínculos com as crianças e adultos ali presentes, a fim de construir uma imagem positiva sobre si mesma e sobre os outros, respeitando a diversidade e valorizando sua riqueza.
Ø Ø Tornar-se, cada vez mais, capaz de desenvolver as atividades nas quais se engaja de maneira autônoma, e em cooperação com outras pessoas, crianças e adultos. Desta forma, desenvolver a capacidade de começar a coordenar pontos de vista e necessidades diferentes dos seus, socializando-se.
Ø Ø Interagir com o seu meio ambiente (social, cultural, natural, histórico e geográfico) de maneira independente, alerta e curiosa. Isto é, estabelecendo relações e questionamentos sobre o meio ambiente, os conhecimentos prévios de que dispõe, suas idéias originais e as novas informações que recebe.
Ø Ø Apropriar-se dos mais diferentes tipos de linguagem construídos pela humanidade (oral, escrita, matemática, corporal, plástica e musical), de acordo com as suas capacidade e necessidades, utilizando-as para expressar o seu pensamento e as suas emoções, a fim de compreender e comunicar-se com as outras crianças e os adultos.
Assim sendo, o educador precisa ter em mente estes objetivos, a fim de avaliar as atividades que ele planeja e as suas próprias atitudes, observado se elas proporcionam às crianças meios de alcançar estes objetivos. Deve também, atuar de maneira extremamente próxima às crianças, sendo um mediador para que elas alcancem os objetivos propostos. E, também, deve avaliar o desenvolvimento do grupo onde atua e de cada criança, em particular, sem, porém, jamais compará-las umas às outras, compreendendo que cada uma delas carrega histórias de vida e ritmos de desenvolvimento próprios.
Currículo vivo: a organização do trabalho pedagógico na Educação Infantil.
Toda instituição de educação possui um currículo, e desenvolve a organização do trabalho pedagógico baseando-se nele. Por vezes, este currículo pode estar registrado num documento formal, mas, na realidade, a maior expressão do currículo encontra-se na prática pedagógica diária, realizada em cada sala de aula (ou fora dela, em outros espaços pedagógicos oferecidos pela escola).
Acreditamos que o currículo da Educação Infantil manifesta-se concretamente através das atividades planejadas pelos educadores e oferecidas às crianças. Por esta razão, consideramos essencial analisar as modalidades de planejamento presentes na Educação Infantil. No planejamento, o educador expressa os objetivos de sua prática educativa, os métodos utilizados e a modalidade de avaliação adotada. Segundo Ostetto (2000, p. 175-200), os modelos mais comuns de planejamento adotados nas instituições de Educação Infantil brasileiras são:
Þ Þ Listagem de Atividades: consiste em listar as atividades a serem cumpridas durante os vários momentos da rotina, o que geralmente proporciona longos momentos de espera, pela criança, entre uma atividade e outra, sendo que estas são planejadas pelo adulto que a atende, sem que exista muita expectativa deste em atender às necessidades da criança. Por isto a concepção de avaliação restringe-se às expectativas do adulto referentes ao “bom comportamento” das crianças. Afinal, este não espera que as atividades oferecidas proporcionem algum tipo de desenvolvimento às crianças; espera apenas que a criança cumpra as tarefas propostas, preenchendo o tempo durante o qual ela permanece na instituição, sem causar distúrbios, como brigas, bagunça, sujeira, barulho, etc.
Þ Þ Datas Comemorativas: geralmente composto por festejos dedicados a marcar as várias datas do calendário comemorativo (Carnaval, Páscoa, Dia das Mães, etc.). Pode, muitas vezes, reforçar preconceitos e estereótipos, pois baseia-se na concepção de história sob a ótica do vencedor. (Ninguém “comemora” os derrotados.) Também contribui para a estereotipia o fato de que as datas praticamente se atropelam, restando pouco tempo para que a sua origem seja realmente aprofundada e compreendida. Tomemos, como exemplo, o mês de abril: Páscoa, Tiradentes, Descobrimento, aniversário de Brasília... Será possível realmente compreender o significado de cada uma delas? O conhecimento torna-se, muitas vezes, fragmentado e repetitivo (afinal, todos os anos são “comemoradas” as mesmas datas). O objetivo das comemorações seria fornecer informações às crianças. Por exemplo, em relação ao “Dia do Índio”: espera-se que a criança compreenda que eles foram os primeiros habitantes do Brasil, que vivem em aldeias, que moram em ocas, etc. Como as crianças são ainda pequenas, as informações são “simplificadas” para que elas possam memorizá-las no curto espaço de tempo destinado a cada comemoração. Assim, acabam transmitindo concepções, muitas vezes, equivocadas. Voltando ao exemplo do Dia do Índio: não se informa às crianças que existem várias aldeias indígenas no Brasil, que cada uma tem costumes e culturas muito ricos e diversos, nem sobre o massacre a que os colonizadores portugueses submeteram esta população. Quanto à avaliação, vemos uma maior preocupação com a verificação da transmissão de conteúdos, que devem ser reproduzidos pelas crianças nas mais diversas atividades (construir com sucata a oca do índio, de acordo com o modelo trazido pela professora; desenhar o índio com tanga, cocar e segurando o arco-e-flecha; copiar a palavra índio, dentre outras).
Þ Þ Planejamento baseado em aspectos do desenvolvimento: influenciado pela Psicologia do Desenvolvimento, este tipo de planejamento procura contemplar todas as áreas do desenvolvimento infantil (psicomotor, afetivo, cognitivo, social, etc.). As atividades são selecionadas de acordo com o valor que possam ter para o desenvolvimento da criança. Se, por um lado, procura observar a criança como um todo, por outro, peca por vê-la como um ser ideal, situado numa faixa de presumível “normalidade”, e não considera o contexto sócio-histórico onde ela se encontra inserida. Assim sendo, podem haver conflitos nos critérios de avaliação: A criança será avaliada de acordo com as expectativas ideais, descritas nos compêndios de Psicologia, ou será avaliada levando-se em conta, também, os aspectos sócio-históricos que marcam sua vida? Não negamos as contribuições da Psicologia à Educação Infantil. é essencial que o profissional de Educação Infantil compreenda o desenvolvimento social, afetivo, psicomotor e cognitivo da criança. Entretanto, ele deve considerar que este desenvolvimento dá-se em ritmos diversos, de acordo com a história de vida da criança, e com as possibilidades oferecidas pelo seu meio ambiente, sem que variações nesse ritmo sejam vistam como “atrasos” ou “deficiências”. A avaliação não deve apenas identificar tais problemas, mas apontar soluções, caminhos e possibilidades de atuação pedagógica, para que a criança possa vir a superá-los, com o auxílio dos educadores.
Þ Þ Temas Geradores/Centros de Interesse: são elencados temas semanais, supostamente interligados um ao outro, para serem trabalhados em todas as turmas de uma instituição. Partem do pressuposto de que os “temas” despertariam os interesses de todas as turmas envolvidas, do “maternal” ao “pré”. O objetivo deste modelo pedagógico seria ampliar os conhecimentos das crianças, alargando o seu universo cultural. Entretanto, o profissional de Educação Infantil pode encarar o trabalho com temas de diversas maneiras: Num modelo tradicional, o adulto/professor, escolhe o tema a ser trabalhado pela classe, e espera que, nas avaliações (realizadas pela observação em todas as atividades desenvolvidas) a criança reproduza aquilo que aprendeu. Por exemplo, se o tema gerador foi “Animais”, é esperado que a criança saiba dar informações sobre os hábitos de diversos animais, classificando-os de acordo com os critérios repassados pelo adulto, tais como “animais que vivem na terra”, “animais que vivem na água”, “animais que voam” e assim por diante, sem levar em conta que as crianças podem vir a criar critérios muito diferentes para classificá-los. Já numa visão identificada com a pedagogia escolanovista, as crianças têm um papel mais ativo, e maior possibilidade de expor suas próprias idéias. Os temas nem sempre são impostos ao grupo de crianças pelo professor, ou pela coordenação pedagógica, mas partem da sua curiosidade natural, observada pelo educador. Entretanto, por ater-se apenas aos “interesses” dos alunos, neste caso o educador pode pouco contribuir para que as crianças ampliem o seu mundo e seus conhecimentos.
Þ Þ Conteúdos/Áreas de Conhecimento: podemos citar como exemplo deste tipo de planejamento o “Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil” (RCNEI) e o “Currículo para a Educação Básica no DF – Educação Infantil/4 a 6 anos”, pois ambos dividem as atividades a serem desenvolvidas “Formação Pessoal e Social”, “Conhecimento de Mundo”, “Linguagem Oral e Escrita”, “Conhecimento Lógico-Matemático” e “Natureza e Sociedade”. Destacamos que este tipo de trabalho surgiu como uma oposição à pré-escola assistencialista, baseada na concepção de educação compensatória (KRAMER, 1995). Vale, ainda, registrar que, na exacerbação deste modelo de planejamento, a Educação Infantil pode vir a copiar a divisão por disciplinas do Ensino Fundamental, tornando-se uma espécie de “cursinho preparatório” para o ingresso na 1ª série, copiando, também, o modelo de avaliação do Ensino Fundamental: avaliação por disciplinas, a qual, ainda que seja realizada durante o processo, observando o desenvolvimento da crianças nas diversas atividades, propostas pela rotina da instituição educativa, não considera a inter-relação que existe entre os diversos eixos do conhecimento e do desenvolvimento infantil.
Þ Þ Projetos de Trabalho: o projeto de trabalho parte dos interesses e necessidades apresentados pelos próprios alunos; por isso, nem sempre todas as turmas de uma escola desenvolverão o mesmo projeto. Desse modo, respeita-se as características de cada grupo, bem como as particularidades de cada indivíduo, levando-se em conta o contexto sócio-histórico onde estes estão inseridos. Quando é adotado o planejamento através de projetos, a avaliação apresenta-se mais integrada ao planejamento. Isto porque os temas, datas, etc., não são elencados previamente pelo adulto, seja ele o professor ou o coordenador pedagógico, sem que eles conheçam a realidade concreta das crianças. Nem atendem apenas aos interesses naturais que os adultos constatam pela observação das ações espontâneas das crianças. O projeto parte de uma proposta que os educadores definem após um contato inicial com as crianças e o seu meio ambiente (social, cultural, histórico, geográfico), procurando atender às necessidades constatadas. Entretanto, ele é um planejamento mais flexível. Sua duração de tempo não é predeterminada com rigidez; não é um tema que deve “durar uma semana”, ou uma data a ser festejada apenas na sua época. E seu andamento, as atividades propostas às crianças, dependem da observação e reavaliação constantes do trabalho pedagógico, feitas pelo educador. As crianças têm oportunidade de sugerirem rumos diferente para o seu planejamento, nas “rodas de conversa” em que o educador e seus colegas de sala escutam seus relatos e idéias. O educador conduz o processo pedagógico, mas sempre avaliando, ouvindo e observando as crianças junto às quais atua, visando o seu desenvolvimento integral.
No cotidiano da Educação Infantil, todos esses modelos de planejamento coexistem: em maior ou menor grau; com maior ou menor, harmonia; sendo quase impossível distingui-los. Entretanto, uma das modalidades de planejamento acaba sendo a principal, e, ao optar por adotá-la, o educador expressa a sua escolha por um modelo pedagógico.
Como já afirmamos anteriormente, o nosso modelo pedagógico de Educação Infantil visa o desenvolvimento integral e a construção da autonomia infantil. Por esta razão, optamos pela Pedagogia de Projetos (projetos de trabalho), por consideramos que ela possibilita, ao professor e às crianças, um papel ativo na construção do planejamento e do projeto político-pedagógico que ele possibilita.
Isto ocorre porque os temas abordados nos projetos não são determinados pela coordenação pedagógica, direção do estabelecimento de ensino ou documentos oficiais – o que tornaria o educador, que está na sala de aula, um passivo executor de planejamentos alheios a ele e à sua turma de crianças. Nem são definidos somente pelo educador/adulto, o que tornaria as crinças/alunos passivos diante do professor. Mas são definidos pelas crianças e adultos/educadores em conjunto, atendendo à suas expectativas, curiosidades e necessidades, procurando alcançar os objetivos que propusemos anteriormente.
A fim de possibilitar às crinças um ambiente onde elas possam pesquisar e expressar os temas que desejam abordar nos projetos, o educador deve, desde o início do ano letivo, organizar o espaço pedagógico (a sala de aula, demais espaços da escola, e outros espaços que a comunidade possa oferecer), proporcionando diversas experiências às crianças. Afinal, os temas não surgirão apenas da “espontaneidade” das crianças, mas de sua interação com um meio ambiente rico e estimulante. Denominamos esta organização do espaço pedagógico de rotina, e consideramos que, dentre inúmeras possibilidades, a rotina deve oferecer às crianças momentos onde elas possam desenvolver as atividades sugeridas no quadro que se segue:
ROTINA NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Hora da Roda
Este momento é presente na rotina de diversas instituições de Educação Infantil, e, podemos afirmar, é um dos mais importantes para a organização do trabalho pedagógico e o desenvolvimento das crianças. Na roda, o professor recebe as crianças, proporcionando sensações como acolhimento, segurança e de pertencer àquele grupo, aos pequenos que vão chegando. Para tal, pode utilizar jogos de mímica, músicas e mesmo brincadeiras tradicionais, como “andoleta” e “corre-cotia”, promovendo um verdadeiro “ritual” de chegada. Após a chegada, o educador deve organizar a roda de conversa, onde as crianças podem trocar idéias e falar sobre suas vivências. Aqui cabe ao educador organizar o espaço, para que todos os que desejam possam falar, para que todos estejam sentados de forma que possam verem-se uns aos outros, além de fomentar as conversas, estimulando as crianças a falarem, e promovendo o respeito pela fala de cada um. Através das falas, o professor pode conhecer cada um de seus alunos, e observar quais são os temas e assuntos de interesse destas. Na roda, o educador pode desenvolver atividades que estimulam a construção do conhecimento acerca de diversos códigos e linguagens, como, por exemplo, marcação do dia no calendário, brincadeiras com crachás contendo os nomes das crinças, jogos dos mais diversos tipos (visando apresentá-los às crianças para que, depois, possam brincar sozinhas) e outras. Também na roda deverão ser feitas discussões acerca dos projetos que estão sendo trabalhados pela classe, além de se apresentar às crinças as atividades doa dia, abrindo, também, um espaço para que elas possam participar do planejamento diário. O tempo de duração da roda deve equilibrar as atividades a serem ali desenvolvidas e a capacidade de concentração/interação das crianças neste tipo de atividade.
Hora da Atividade
Neste momento da rotina, o professor organizará atividades onde a criança, através de ações (mentais e concretas) poderá construir conhecimentos de diferentes naturezas: Conhecimentos Físicos (cuja fonte é a observação e interação com os mais diversos objetos, explorando as suas propriedades); Conhecimentos Lógico-Matemáticos (resultado de ações mentais e reflexões sobre os objetos, estabelecendo relações entre eles), e Conhecimentos Sociais (de natureza convencional e arbitrária, produzidos pelo homem ao longo da historia – a cultura. Por exemplo, a leitura e a escrita, e conhecimentos relacionados à Geografia, à história e a parte das Ciências Naturais). As atividades que proporcionam a construção destes tipos de conhecimentos podem estar ligadas aos temas dos projetos desenvolvidos pela classe, ou podem ser resultado do planejamento do professor, criando uma seqüência de atividades significativas. A organização da sala de aula , para o desenvolvimento de tais atividades, deve proporcionar às crianças a possibilidade de trocarem informações umas com as outras, e de se movimentarem, e de atuarem com autonomia. Assim sendo, é importante que a disposição dos móveis e objetos na sala torne possível: que as crianças sentem em grupos, ou próximas umas das outras; que haja espaço para circulação na sala de aula e que os materiais que as crinças necessitarão para desenvolver as atividades estejam ao seu alcance, e com fácil acesso. Estas atividades também podem ser realizadas em espaços fora da sala de aula, como. Por exemplo, se a turma está desenvolvendo um projeto sobre insetos, pode dar uma volta no jardim da escola, à procura de exemplares para o seu “Insetário”. De qualquer modo, é necessário que o professor planeje as atividades oferecidas, que forneça às crianças os materiais necessários para a sua realização e, sobretudo, esteja presente, ouvindo as crianças e auxiliando-as, pois somente assim ele poderá compreender o desenvolvimento das crianças e planejar atividades cada vez mais adequadas às necessidades delas. Para realizar este acompanhamento, o professor pode planejar e oferecer ao grupo atividades diversificadas, em que cada criança escolhe, dentre as várias atividades disponíveis, em qual se engajará primeiro.
Artes Plásticas
O trabalho com artes plásticas na Educação Infantil visa ampliar o repertório de imagens das crianças, estimulando a capacidade destas de realizar a apreciação artística e de leitura dos diversos tipos de artes plásticas (escultura, pintura, instalações). Para tal, o professor pode pesquisar e trazer, para a sala de aula, diversas técnicas e materiais, a fim de que as crianças possam experimentá-las, interagindo com elas a seu modo, e produzindo as suas próprias obras, expressando-se através das artes plásticas. Assim, elas aumentarão suas possibilidades de comunicação e compreensão acerca das artes plásticas. Também poderão conhecer obras e histórias de artistas (dos mais diversos estilos, países e momentos históricos), apreciando-as e emitindo suas idéias sobre estas produções, estimulando o senso estético e crítico.
Hora da História
Podemos dizer que o ato de contar histórias para as crianças está presente em todas as culturas, letradas ou não letradas, desde os primórdios do homem. As crinças adoram ouvi-las, e os adultos podem descobrir o enorme prazer de contá-las. Na Educação Infantil, enquanto a criança ainda não é capaz de ler sozinha, o professor pode ler para ela. Quando já é capaz de ler com autonomia, a criança não perde o interesse de ouvir histórias contadas pelo adulto; mas pode descobrir o prazer de contá-las aos colegas. Enfim, a “Hora da História” é uma momento valioso para a educação integral (de ouvir, de pensar, de sonhar) e para a alfabetização, mostrando a função social da escrita. O professor pode organizar este momento de diversas maneiras: no início ou fim da aula; incrementando com músicas, fantasias, pinturas; organizando uma pequena biblioteca na sala; fazendo empréstimos de livros para que as crianças leiam em casa, enfim, há uma infinidade de possibilidades.
Hora da Brincadeira
Brincar é a linguagem natural da criança, e mais importante delas. Em todas as culturas e momentos históricos as crianças brincam (mesmo contra a vontade dos adultos). Todos os mamíferos, por serem os animais no topo da escala evolutiva, brincam, demonstrando a sua inteligência. Entretanto, há instituições de Educação Infantil onde o brincar é visto como um “mal necessário”, oferecido apenas por que as crianças insistem em fazê-lo, ou utilizado como “tapa-buraco”, para que o professor tenha tempo de descansar ou arrumar a sala de aula. Acreditamos que a brincadeira é uma atividade essencial na Educação Infantil, onde a criança pode expressar suas idéias, sentimentos e conflitos, mostrando ao educador e aos seus colegas como é o seu mundo, o seu dia-a-dia. A brincadeira é, para a criança, a mais valiosa oportunidade de aprender a conviver com pessoas muito diferentes entre si; de compartilhar idéias, regras, objetos e brinquedos, superando progressivamente o seu egocentrismo característico; de solucionar os conflitos que surgem, tornando-se autônoma; de experimentar papéis, desenvolvendo as bases da sua personalidade. Cabe ao professor fomentar as brincadeiras, que podem ser de diversos tipos. Ele pode fornecer espelhos, pinturas de rosto, fantasias, máscaras e sucatas para os brinquedos de faz-de-conta: casinha, médico, escolinha, polícia-e-ladrão, etc. Pode pesquisar, propor e resgatar jogos de regra e jogos tradicionais: queimada, amarelinha, futebol, pique-pega, etc. Pode confeccionar vários brinquedos tradicionais com as crianças, ensinando a reciclar o que seria lixo, e despertando o prazer de confeccionar o próprio brinquedo: bola de meia, peteca, pião, carrinhos, fantoches, bonecas, etc. Pode organizar, na sala de aula, um cantinho dos brinquedos, uma “casinha” além de, é claro, realizar diversas brincadeiras fora da sala de aula. Além disso, as brincadeiras podem despertar projetos: pesquisar brinquedos antigos, fazer uma Olimpíada na escola, ou uma Copa do Mundo, etc.
Hora do Lanche/Higiene
Devemos lembrar que comer não é apenas uma necessidade do organismo, mas também uma necessidade psicológica e social. Na Bíblia, por exemplo, encontramos dezenas de situações em que Jesus compartilhava refeições com seus discípulos, fato que certamente marcou nossa cultura. Em qualquer cultura os adultos (e as crianças) gostam de realizar comemorações e festividades marcadas pela comensalidade (comer junto). Por isso, a hora do lanche na Educação Infantil não deve atender apenas às necessidades nutricionais das crianças, mas também às psicológicas e sociais: de sentir prazer e alegria durante uma refeição; de partilhar e trocar alimentos entre colegas; de aprender a preparar e cuidar do alimento com independência; de adquirir hábitos de higiene que preservam a boa saúde. Por isto, a hora do lanche também deve ser planejada pelo professor. A disposição dos móveis deve facilitar as conversas entre as crinças; devem haver lixeiras e material de limpeza por perto para que as crianças possam participar da higiene do local onde será desfrutado o lanche (antes e depois dele ocorrer); deve haver uma cesta onde as crianças possam depositar o lanche que desejam trocar entre si (estimulando a socialização e, ao mesmo tempo, o cuidado com a higiene). Além disso, é importante que o professor demonstre e proporcione às crianças hábitos saudáveis de higiene antes e depois do lanche (lavar as mãos, escovar os dentes, etc.). O lanche também pode fazer parte dos projetos desenvolvidos pela turma: pesquisar os alimentos ais saudáveis, plantar uma horta, fazer atividades de culinária, produzir um livro de receitas, fazer compras no mercado para adquirir os ingredientes de uma receita, dentre outras, são atividades às quais o professor pode dar uma organização pedagógica que possibilite às crinças participar ativamente, e elaborar diversos projetos junto com a turma.
Atividades Físicas/Parque
Fanny Abramovich lembra-nos, com muito humor, o papel usualmente atribuído ao movimento nas nossas escolas: “Não se concebe que o aluno sequer possua um corpo. Em movimento permanente. Que encontre respostas através de seus deslocamentos. Um corpo que é fonte e ponte de aprendizagens, de reconhecimentos, de constatações, de saber, de prazer. Basicamente, possui cabeça (para entender o que é dito) e mão (para anotar o que é dito). Portanto, pode e deve ficar sentado o tempo todo da aula. Breves estiramentos, andadelas rápidas, podem ser efetuadas nos intervalos. No mais, os braços são úteis para segurar livros/cadernos/papéis e pés e pernas se satisfazem ao ser selecionados para levantar/perfilar/sair. E basta.” (ABRAMOVICH, 1998, p. 53) Na Educação Infantil, o principal objetivo do trabalho com o movimento e expressão corporal é proporcionar à criança o conhecimento do próprio corpo, experimentando as possibilidades que ele oferece (força, flexibilidade, equilíbrio, entre outras). Isto proporcionará a ela integrá-lo e aceitá-lo, construindo uma auto-imagem positiva e confiante. Para isso o professor deve proporcionar atividades, fora e dentro da sala de aula, onde a criança possa se movimentar. Alongamentos, ioga, circuitos, brincadeiras livres, jogos de regras, tomar banho de mangueira, subir em árvores... são diversas as possibilidades. O professor deve organizá-las e planejá-las, mas sempre com um espaço para a invenção e colaboração da criança. O momento do parque também assume uma conotação diferente. Não é apenas um intervalo para descanso das crianças e dos professores. É mais um momento de desafio, afinal, há aparelhos, árvores, areia, baldinhos e pás, pneus, cordas, bolas, bambolês e tantas brincadeiras que esses materiais oferecem. O professor deve estar próximo, auxiliando e estimulando a criança a desenvolver a sua motricidade e socialização, ajudando, também, a resolver os conflitos que surgem nas brincadeiras quando, porventura, as crianças não forem capazes de solucioná-los sozinhas.
Atividades Extra-Classe
(Interação com a comunidade)
A sala de aula e o espaço físico da escola não são os únicos espaços pedagógicos possíveis na Educação Infantil. Em princípio, qualquer espaço pode tornar-se pedagógico, dependendo do uso que fazemos dele. Praças, parques, museus, exposições, feiras, cinemas, teatros, supermercados, exposições, galerias, zoológicos, jardins botânicos, reservas ecológicas, ateliês, fábricas e tantos outros. O professor deve estar atento à vida da comunidade e da cidade onde atua, buscando oportunidades interessantes, que se relacionem aos projetos desenvolvidos na classe, ou que possam ser o início de novos projetos. Isto certamente enriquecerá e ampliará o projeto político-pedagógico da instituição, que não precisa ser confinando à área da escola. Podem haver até mesmo intercâmbios com outras instituições educacionais.
Obs.: Quadro baseado em DEVIRES e ZAN (1998). Utilizamos algumas terminologias das autoras, acrescentando elementos da nossa própria prática pedagógica.
A rotina é um elemento importante da Educação Infantil, por proporcionar à criança sentimentos de estabilidade e segurança. Também proporciona à criança maior facilidade de organização espaço-temporal, e a liberta do sentimento de estresse que uma rotina desestruturada pode causar. Entretanto, como vimos, a rotina não precisa ser rígida, sem espaço para invenção (por parte dos professores e das crianças). Pelo contrário a rotina pode ser rica, alegre e prazerosa, proporcionado espaço para a construção diária do projeto político-pedagógico da instituição de Educação Infantil. Vale, ainda, lembrar que “a dinâmica de um grupo de crianças é maior que a rotina da creche” (BATISTA, 2001). Isto é, a rotina aqui proposta é apenas uma sugestão, pois a melhor rotina para cada grupo de crianças só pode ser estabelecida pelo seu professor, no contato diário com as crianças.
Avaliação na Educação Infantil: o adulto como um dos mediadores do desenvolvimento infantil.
Nenhuma proposta de organização do trabalho pedagógico está completa sem expressar sua concepção sobre avaliação. Afinal, a forma como os educadores realizam suas avaliações sobre os alunos expressam, em último grau, a sua concepção de educação. Seja como uma educação repressora e bancária, onde o professor deposita o conhecimento, que o aluno deve reproduzir. Ou como uma educação progressista e democratizadora, voltada para o pleno desenvolvimento do ser humano, de sua consciência crítica, de sua capacidade de ação e reação. Nesta última visão a avaliação não tem a função de medir, comparar, classificar, e aprovar/reprovar, excluindo aqueles que não chegam ao padrão preestabelecido. Mas a função de proporcionar ao professor uma melhor compreensão sobre a aprendizagem dos alunos, avaliando constantemente o trabalho pedagógico por ele oferecido aos alunos, a fim de poder superar as dificuldades encontradas. É esta a concepção que defendemos.
No que se refere à Educação Infantil, esta postura avaliativa significa a adoção de “posturas contrárias à constatação e registro de resultados alcançados pela criança a partir de ações dirigidas pelo professor, buscando, ao invés disso, ser coerente à dinâmica do seu processo de desenvolvimento, a partir do acompanhamento permanente da ação da criança e da confiança na evolução do seu pensamento. Tal postura avaliativa mediadora parte do princípio de que cada momento de sua vida representa uma etapa altamente significativa e precedente as próximas conquistas, devendo ser analisado no seu significado próprio e individual em termos de estágio evolutivo de pensamento, de suas relações interpessoais. E percebe-se, daí, a necessidade do educador abandonar listagens de comportamentos uniformes, padronizados, e buscar estratégias de acompanhamento da história que cada criança vai constituindo ao longo de sua descoberta do mundo. Acompanhamento no sentido de mediar a sua ação, favorecendo-lhe desafios, tempo, espaço e segurança em suas experiências.” (HOFFMANN, 1996, p. 24)
Esta proposta de avaliação concebe o professor/adulto como mediador. Isto significa que não é esperado que, na avaliação, a criança reproduza os conhecimentos que o professor transmitiu. Pois aqui o professor não é a única “fonte” de conhecimento. O conhecimento surge da relação que a criança estabelece com as outras crianças (de diferentes idades), com os adultos (pais, professores, e outros) com o meio ambiente e com a cultura. Por tanto, ela jamais irá reproduzir uma informação recebida, mas sim irá fazer a leitura desta informação, de acordo com os recursos de que dispõe. O professor, as outras crianças, o meio, a cultura, todos estes elementos são agentes mediadores entre a criança e a informação. Entre conhecimento e desenvolvimento. Entre cultura e inovação.
Por isto, não há como avaliar a criança de acordo com expectativas preestabelecidas pelo adulto. Não é possível preencher listas, formulários ou boletins, pois isto tudo significaria comparar e medir, classificando as crianças. O registro da avaliação deve ser o registro da história vivida pela criança, no período descrito. Desta forma podem ser utilizados relatórios descritivos e porta-fólios, por exemplo. Quanto aos relatórios descritivos, estes devem ser elaborados de maneira que “ao mesmo tempo que refaz e registra a história do seu processo dinâmico de construção do conhecimento, sugere, encaminha, aponta possibilidades da ação educativa para pais, educadores e para a própria criança. Diria até mesmo que apontar caminhos possíveis e necessários para trabalhar com ela é o essencial num relatório de avaliação, não como lições de atitudes à criança ou sugestões de procedimentos aos pais, mas sob a forma de atividades a oportunizar, materiais a lhe serem oferecidos, jogos, posturas pedagógicas alternativas na relação com ela.” (HOFFMANN, 1996, p. 53)
Enfim, esta é uma proposta de avaliação em que não apenas a criança é avaliada, mas todo o trabalho pedagógico oferecido a ela também é avaliado, repensado e modificado sempre que necessário. Não é uma avaliação final, pontual, retratando um único momento da criança. Mas uma avaliação processual, que, entretanto, é registrada periodicamente.
Concluindo (por enquanto).
Como afirma o Dr. Lisboa, “O fundamental para as crianças menores de seis anos é que elas se sintam importantes, livres e queridas.” (LISBOA, 2001) Este deve ser o objetivo fundamental de qualquer ação educativa voltada para as crianças de 0 a 6 anos. A organização do trabalho pedagógico visando alcançar estes objetivos pode assumir várias formas, expressas em diferentes métodos. Mas, necessariamente, tem de ser pautada por uma postura de respeito à criança: ao seu ritmo de desenvolvimento, à sua origem social e cultural, às suas relações e vínculos afetivos; à sua expressão (plástica, oral, escrita, em todos os tipos de linguagem) e às suas idéias, desejos e expectativas. Sem, porém, jamais abdicar da procura por ampliar, cada vez mais, este mundo infantil.
Bibliografia
ABRAMOVICH, Fanny. O professor não duvida! Duvida? São Paulo: Gente, 1998.
BATISTA, Rosa. A rotina no dia-a-dia da creche: entre o proposto e o vivido.
BRASIL. Referencial curricular nacional para a educação infantil. Brasília: MEC/SEF, 1998.
CUNHA, Suzana R. V. da (org.). Cor, som e movimento: a expressão plástica, musical e dramática no cotidiano da criança. Porto Alegre: Mediação, 2001.
DEVIRES, Rheta; ZAN, Betty. A ética na educação infantil: o ambiente sócio-moral na escola. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
HOFFMANN, Jussara Maria Lerch. Avaliação na pré-escola: um olhar sensível e reflexivo sobre a criança. Porto Alegre: Mediação, 1996.
KAMII, Constance; DEVRIES, Rheta. Piaget para a educação pré-escolar. Porto Alegre: Artes
médicas, 1991.
KRAMER, Sônia (org.). Com a pré-escola nas mãos: uma alternativa curricular para a educação infantil. São Paulo: Ática, 1999, 13 ed.
KRAMER, Sônia. A política do pré-escolar no Brasil: a arte do disfarce. São Paulo: Cortez, 1995, 5 ed.
KRAMER, Sônia; SOUZA, Solange Jobim e (org.). Educação ou tutela? A criança de 0 a 6 anos. São Paulo: Loyola, 1991.
LISBOA, Antônio Márcio Junqueira. Correio Braziliense, 20/04/2001.
LISBOA, Antônio Márcio Junqueira. O seu filho no dia-a-dia: dicas de um pediatra experiente. Vol. 3. Brasília: Linha Gráfica, 1998.
OSTETTO, Luciana Esmeralda (org.). Encontros e encantamentos na educação infantil: partilhando experiências de estágios. Campinas, SP: Papirus, 2000.
WINNICOTT, Donald Woods. A criança e o seu mundo. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1982.