"A educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo. (Nelson Mandela) "

terça-feira, 23 de janeiro de 2018

Chuchu (Manuel Bandeira)

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Joanita,em sua última carta escrita de Haia: "Mas que saudades de chuchu com molho branco". 

Eu sei que toda gente despreza o chuchu, a coisa mais bestinha que Deus pôs no mundo, “Cucurbitácea” reles que medra em qualquer beirada de quintal. Não tenho também nenhuma ternura especial pelo chuchu, mas já reparei que há uma certa injustiça em considerar insípido um prato que é insípido só porque raras são as cozinheiras que sabem prepará-lo. 

Sei ainda que os médicos nutricionistas banem o chuchu de todas as suas dietas, dizem que o chuchu não vale nada, é uma mistura de água e celulose, desprovida de qualquer vitamina ou sal. O chuchu é meu eterno pomo da discórdia com meu querido amigo Dr. Rui Coutinho. Quando ele desfaz do chuchu em minha presença, salto logo em defesa do humilde caxixe. Argumento assim: "Antigamente, antes da descoberta das vitaminas, se dizia o mesmo da alface. Mas o sabor da planta, a boniteza de sua folha verdinha, ou talvez o instinto secreto da espécie sempre levaram o homem a comer a aristocrá- tica Lactuca sativa. Um dia se descobriu que a alface é rica em vitamina A, cálcio e ferro. Então a alface deixou de ser água e celulose, e entrou nos menus autorizados e recomendados pelos nutricionistas. 

Quem me dirá que um dia, próximo ou distante, não se descobrirá no chuchu um elemento novo, indispensável à economia orgânica? O que me parece inexplicável é que nós brasileiros persistamos em comer sem quase nenhum deleite essa coisinha verde e mole que se derrete na boca sem deixar vontade de repetir a dose.” 

Rui Coutinho sorri cético. 

Enquanto isso, na Holanda, Joanita, podendo comer os pratos mais saborosos do mundo, tem saudade é de chuchu com molho branco. Que desforra para o chuchu! 

(Manuel Bandeira)

01) A passagem destacada no início do texto pode ser considerada uma frase? Justifique sua resposta:

02) Ainda com relação à passagem que abre o texto, nela há dois segmentos. O segundo, sozinho, pode ser considerado uma frase? Por que ele vem isolado por aspas? 

03) Exlique por que "Lactucasativa" e "menus" aparecem destacados no texto: 

04) Quanto ao gênero, como você classificaria o texto? Que fato serviu de motivo para o autor escrevê-lo? 

05) No texto, há um trecho dissertativo. Que palavra introduz a dissertação? 

06) Qual é o principal argumento utilizado na defesa do chuchu? O que você pensa a respeito dele? Convenceu? 

07) Encerrado o texto, o autor afirma: "Que desforra para o chuchu!". Esse enunciado constitui uma frase? Justifique: 

08) Qual é o significado do adjetivo "insípida" em cada uma das frases seguintes: "O chuchu é uma comida insípida" e "Era uma insípida noite de verão"? 

09) Na linguagem coloquial, a expressão "pra chuchu" tem sentido de abundância. Que expressão do texto comprova esse sentido dessa expressão popular? 

10) Na frase "O chuchu é meu pomo da discórdia com meu querido amigo Dr. Rui Coutinho", qual é o sentido da expressão destacada?

11) O autor usa vários termos para se referir ao chuchu, mas a expressão a qual ele faz referência à alface é:

 (A) caxixe  (B) coisinha verde. (C) coisa bestinha. (D) Cucurbitácea reles. (E) Lactuca sativa.

12) “Eu sei que toda gente despreza o chuchu, a coisa mais bestinha que Deus pôs no mundo, "Cucurbitácea" reles que medra em qualquer beirada de quintal.” No trecho anterior, as ASPAS foram usadas na expressão grifada para informar que se trata de:

(A) ironia.  (B) populismo.  (C) estrangeirismo. (D) termo científico.  (E) ênfase na expressão.

13) Identifique a opinião do autor sobre o chuchu (transcreva): 

segunda-feira, 10 de julho de 2017

Um homem de consciência (Monteiro Lobato)

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Chamava-se João Teodoro, . O mais pacato e modesto dos homens. Honestíssimo e lealíssimo, com um defeito apenas: não dar o mínimo valor a si próprio. Para João Teodoro, a coisa de menos importância no mundo era João Teodoro. 

Nunca fora nada na vida, nem admitia a hipótese de vir a ser alguma coisa. E por muito tempo não quis nem sequer o que todos ali queriam: mudar-se para terra melhor. 

Mas João Teodoro acompanhava com aperto do coração o deperecimento visível de sua Itaoca. 

"Isto já foi muito melhor", dizia consigo. "Já teve três médicos bem bons -- agora um e bem ruinzote. Já teve seis advogados e hoje maldá serviço para um rábula ordinário como o Tenório. Nem circo de cavalinhos bate mais por aqui. A gente que presta se muda. Fica o restolho. Decididamente, a minha Itaoca está se acabando..."

João Teodoro entrou a incubar a ideia de também mudar-se, mas para isso necessitava dum fato qualquer que o convencesse de maneira absoluta de que Itaoca não tinha mesmo conserto ou arranjo possível. 

"É isso", deliberou lá por dentro. "Quando eu verificar que tudo está perdido, que Itaoca não vale mais nada de nada, então arrumo a TROUXA e boto-me fora daqui." 

Um dia aconteceu a grande novidade: a nomeação de João Teodoro para delegado. Nosso homem recebeu a notícia como se fosse uma porretada no crânio. Delegado ele! Ele que não era nada, nunca fora nada, não queria ser nada, se julgava capaz de nada... 

Ser delegado numa cidadezinha daquelas é coisa seriíssima. Não há cargo mais importante. É o homem que prende os outros, que solta, que manda dar sovas, que cai à capital falar com o governo. Uma coisa colossal ser delegado -- e estava ele, João Teodoro, de-le-ga-dode Itaoca!...

João Teodoro caiu em meditação profunda. Passou a noite em claro, pensando e arrumando as malas. Pela madrugada botou-as num burro, montou seu cavalo magro e partiu.

-- Que é isso, João? Para onde se atira tão cedo, assim de armas e bagagens? 

-- Vou-me embora -- respondeu o retirante. -- Verifiquei que Itaoca chegou mesmo ao fim. 

-- Mas, como? Agora que você está delegado?

-- Justamente por isso. Terra em que João Teodoro chega a delegado eu não moro. Adeus. E sumiu. 

(Monteiro Lobato)

01) O que significa o "só", presente na primeira frase do texto? 

02) Que outras palavras poderiam substituir, mantendo o mesmo sentido, honestíssimolealíssimo e seriíssimo, respectivamente? 

03) Quantas vezes aparece, no texto, o nome "João Teodoro"? O que isso significa?

04) Reescreva a passagem destacada no primeiro parágrafo do texto, a fim de evitar repetições do nome próprio: 

05) O que diferenciava o protagonista das outras pessoas? 

06) Copie do texto dois numerais, classificando-os:

07) Qual o tipo de narrador presente no texto lido? Comprove com uma passagem dele: 

08) O que as aspas sinalizam no texto em questão? 

09) Transcreva do texto três substantivos próprios:

10) O que a palavra sublinhada no texto significa? Elabore uma frase em que ela apareça com um outro significado (dizendo qual): 

11) Qual a intenção de se repetir o vocábulo NADA no trecho destacado no sétimo parágrafo? 

12) Explique o valor semântico do diminutivo em "ser delegado numa cidadezinha daquelas...":

13) Por que a palavra DELEGADO apareceu escrita da forma "de-le-ga-do", no texto?

14) Na passagem "Pela madrugada botou-as num burro", situada no final do texto, a palavra destacada substitui que outra? 

15) Circule no texto um exemplo de vocativo, explicando seu raciocínio: 

16) Como é caracterizada a cidade de Itaoca no texto?

17) O que significa, no contexto do conto, ser "um homem de consciência"? 

18) Que outro título você daria ao texto?

19) Que mensagem ele lhe transmitiu? Comente: 

20) Ilustre a passagem do conto de que você mais gostou: 

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

"Você é um número" (Clarice Lispector)

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Você é um número

Se você não tomar cuidado vira número até para si mesmo. Porque a partir do instante em que você nasce classificam-no com um número. Sua identidade no Félix Pacheco é um número. O registro civil é um número. Seu título de eleitor é um número. Profissionalmente falando você também é. Para ser motorista tem carteira com número, e chapa de carro. No Imposto de Renda, o contribuinte é identificado com um número. Seu prédio, seu telefone, seu número de apartamento -- tudo é número. 

Se é dos que abrem crediário, para eles você é um número. Se tem propriedade, também. Se é sócio de um clube tem um número. Se é imortal da Academia Brasileira de Letras tem o número da cadeira. 

É por isso que vou tomar aulas particulares de Matemática. Preciso saver coisas. Ou aulas de Física. Não estou brincando: vou mesmo tomar aulas de Matemática, preciso saber alguma coisa sobre cálculo integral. 

Se você é comerciante, seu alvará de localização o classifica também.

Se é contribuinte de qualquer obra de beneficência também é solicitado por um número. Se faz viagem de passeio ou de turismo ou de negócio também recebe um número. Para tomar um avião, dão-lhe um número. Se possui ações também recebe um, como acionista de uma companhia. É claro que você é um número de recenseamento. Se é católico recebe número de batismo. No registro civil ou religioso você é numerado. Se possui personalidade jurídica tem. E quando morre, no jazigo, tem um número. E a certidão de óbito também. 

Nós não somos ninguém? Protesto. Aliás, é inútil o protesto. E vai ver meu protesto também é número.

Uma amiga minha contou que no Alto Sertão de Pernambuco uma mulher estava com o filho doente, desidratado, foi ao Posto de Saúde. E recebeu a ficha número 10. Mas dentro do horário previsto pelo médico a criança não pôde ser atendida porque só atenderam até o número 9. A criança morreu por causa de um número. Nós somos culpados. 

Se há uma guerra, você é classificado por um número. Numa pulseira com placa metálica, se não me engano. Ou numa corrente de pescoço, metálica. 

Nós vamos lutar contra isso. Cada um é um, sem número. O si-mesmo é apenas o si-mesmo. 

E Deus não é número. 

Vamos ser gente, por favor. Nossa sociedade está nos deixando secos como um número sexo, como um osso branco seco exposto ao sol. Meu número íntimo é 9. Só. 8. Só. 7. Só. Sem somá-los nem transformá-los em novecentos e oitenta e sete. Estou me classificando como um número? Não, a intimidade não deixa. Veja, tentei várias vezes na vida não ter número e não escapei. O que faz com que precisemos de muito carinho, de nome próprio, de genuidade. Vamos amar que amor não tem número. Ou tem? 

(Clarice Lispector)

01) Podemos afirmar que o texto acima é uma crônica? Justifique sua resposta:

02) Qual o assunto do texto abordado?

03) A autora já começa com uma advertência. Qual?

04) Qual a importância dessa advertência para o texto de um modo geral?

05) O texto todo gira em torno de uma enorme crítica ao ser humano em sociedade, mas em um dos parágrafos há uma crítica bem mais acentuada. Qual é esta crítica e a quem é dirigida? Você concorda? Por quê? 

06) Na sua opinião sincera, o protesto da autora é inútil? Justifique sua resposta:

07) Há diferença entre ser tratado pelo nome ou por um número? Explique seu ponto de vista:

08) Durante toda a exposição de seus pensamentos acerca dos números que rodeiam nossa vida, a autora confirma a todo instante que tudo é numerado. Apenas o que escapa de ser numerado, segundo ela? Ela tem certeza disso? 

09) Que mensagem o texto lhe transmitiu? Comente:

10) O texto encerra-se com uma indagação. Reflita e tente escrever um pequeno texto, posicionando-se a respeito dessa questão. 

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Saudades do Ensino Fundamental...

Já perdi a conta de quantos anos não trabalho mais com o Fundamental! Confesso que às vezes sinto falta! A garotada era inquieta, elétrica, mas como a energia era boa! Aí hoje fiz uma atividade bem simples, voltada para esse segmento, para quem ainda com ele trabalha! Espero que seja útil! 

Conversa fiada
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Era uma vez um homem muito velho que, por não ter muito o que fazer, ficava pescandonum lago. Era uma vez um menino muito novo que também não tinha muito o que fazer e ficava pescando no mesmo lago.

Um dia, os dois se encontraram, lado a lado na pescariae no mesmo momento, exatamente no mesmo instante, sentiram aquela puxadinha que indica que o peixe mordeu a isca. O menino puxou com força e precisão. O velho usou mais precisão e menos força. Quando apareceram os respectivos peixes, porém, que decepção: o peixe domenino era muito velho e o peixe do velho era muito novo! O velho disse para o menino:

-- Você não pode pescar esse peixe tão velho! Deixe que ele viva o pouco de vida que lheresta.

O menino respondeu:

-- E o que você vai fazer com este peixe tão novo? Ele é tão pequeno... deixe que ele viva mais um pouco! 

O velho e o menino olharam um para o outro e, sem perder tempojogaram os peixes no lago. Ficaram amigos e agora, quando não têm muito o que fazer, vão até o lago, cumprimentam os peixes e matam o tempo jogando conversa fora. 

(Diléa Frate)

01) As personagens foram apresentadas logo no primeiro parágrafo. O que eles tinham em comum? O que tinham de diferente? 

02) Ao sentir o peixe morder a isca, por que o menino puxou com força e precisão e o velho usou mais precisão e menos força? 

03) Por que o velho pediu mais vida para o peixe velho? E por que o menino pediu mais vida para o peixe novo? 

04) Para você, quem tem mais direito à vida: os novos ou os velhos? Explique seu ponto de vista:

05) Na sua opinião, quem pesca contribui com o extermínio dos peixes? Justifique sua resposta:

06) Sobre o que você acha que os dois tanto conversavam? Comente: 

07) Por que o texto traz dois "era uma vez"? Qual o objetivo da autora ao recorrer a isso? 

08) Que mensagem o texto lhe transmitiu?

09) Diga a que classe gramatical cada palavra destacada pertence: 

terça-feira, 30 de agosto de 2016

Trabalhando com a INTERTEXTUALIDADE

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Texto 01:
 Os primeiros milagres de Eliseu

Os cidadãos disseram a Eliseu: "A posição desta cidade é boa, como meu senhor vê, mas as águas são ruins e esterilizam o país." Disse el: "Trazei-me uma tigela nova e ponde sal nela". Trouxeram-na; e ele foi à fonte da água, e atirou lá o sal, dizendo: "Assim diz o Senhor: -- Eu saneio estas águas; doravante não produzirão mais nem monte nem esterilidade". E as águas ficaram sadias até ao dia de hoje, conforme a palavra que Eliseu tinha proferido. 

Dali subiu a Betel; e quando subia pelo caminho, uns rapazinhos que tinham saído da cidade começaram a zobar dele, dizendo: "Sobe, ó calvo! Sobe, ó calvo!". Ele, voltando-se para trás, olhou-os e amaldiçoou-os em nome do Senhor. Então, saíram da floresta duas ursas e dilaceraram quarenta e dois daqueles rapazinhos. Dali foi para o monte Carmelo, donde voltou para a Samaria. 

(2 Reis, 2, 19)

Texto 02: Eliseu

Apenas Elias foi arrebatado pelo redemoinho à sua vista. Eliseu ficou cheio de seu espírito; fez muitos milagres, em dupla medida, e prodígio era tudo o que da boca lhe saía. Durante a vida não tremeu diante de ninhguém, nem mortal algum teve poder sobre seu espírito. 

(Eclesiástico, 48, 12)

Texto 03: As ursas

O profeta Eliseu está a caminho de Betel. O dia é quente. 

Insetos zumbem, no mato. O profeta marcha em passo acelerado. Tem missão importante em Betel. 

De repente, muitos rapazinhos correm-lhe no encalço, gritando:

-- Sobe, calvo! Sobe, calvo! 

Volta-se Eliseu e amaldiçoa-os em nome do Senhor; pouco depois, saem do mato duas grandes ursas e devoram quarenta e dois eninos: doze a menor, trinta a maior. 

A ursa menor tem digestão ativa; os meninos que caem em seu estômago são atacados por fortes ácidos, solubilizados, reduzidos a partículas menores. Somem-se. 

O mesmo não acontece aos trinta meninos restantes. Descendo pelo esôfago da grande ursa, caem no enorme estômago. Ali ficam. A princípio, transidos de medo, abraçados uns aos outros, mal conseguem respirar; depois, os menores começam a chorar e a se lamentar, e seus gritos ecoam lugubremente no amplo recinto. "Ai de nós! Ai de nós!"

Finalmente, o mais velho acende uma luz e eles se veem num lugar semelhante a uma caverna, de cujas paredes anfractuosas escorrem gotas de um suco viscoso. O chão está juncado de resíduos semi-apodrecidos de antigas presas: crânios de bebês, pernas de menins. "Ai de nós" -- gemem. -- "Vamos morrer!"

Passa o tempo e, como não morrem, se animam. Conversam, riem: fazem brincadeiras, pulam, correm, jogam-se detritos e restos de alimentos. 

Quando cansam, sentam e falam sério. Organizam-se, traçam planos. 

O tempo passa. Crescem, mas não muito; o espaço confinado não permite. Tornam-se curiosa raça de anões, de membros curtos e grandes cabeças, onde brilham olhos semelhantes a faróis, sempre a perscrutar a escuridão das entranhas. E ali fazem a sua cidadezinha, com casinhas muito bonitinhas, pintadas de branco. A escolinha. 

A prefeiturazinha. O hospitalzinho. E são felizes. 

Esquecem o passado. Restam vagas lembranças. que com o tempo adquirem contornos místicos. 

Rezam: "Grandes Ursas, que estais no firmamento..."

Escolhem um sacerdote -- o Grande Profeta, homem de cabeça raspada e olhar terrível; uma vez por ano flagela os habitantes com o Chicote Sagrado. Fé e trabalho, exige. O povo, laborioso, corresponde. Os celeirozinhos transbordam de comidinhas, as fabricazinhas produzem milhares de belas coisinhas. 

Passa o tempo. Surge uma nova geração. Depois de anos de felicidade, os habitantes se inquietam: por um estranho atavismo, as crianças nascem com longos braços e pernas, cabeça nem proporcionada e meigos olhos castanhos. A cada parto, intranquilidade. Murmura-se: "Se eles crescerem demais, não haverá lugar para nós". Cogita-se de planificar os nascimentos. O Governinho pensa em consultar o Grande Profeta sobre a conveniência de executar os bebês tão logo nsçam. Discussões infinitas se sucedem. 

Passa o tempo. As crianças crescem e se tornam um bando de poderosos rapazes. Muito maiores que os pais, ninguém os contém. Invadem os cineminhas, as igrejinhas, os clubinhos. Não respeitam a polícia. Vagueiam pelas estradinhas. 

Um dia, o Grande Profeta está a caminho de sua mansãozinha, quando os rapazes o avistam. Imediatamente, correm atrás dele, gritando: 

-- Sobe, calvo! Sobe, calvo! 

Volta-se o profeta e os amaldiçoa em nome do Senhor. 

Pouco depois, surgem duas ursas e devoram os meninos: quarenta e dois. 

Doze são engolidos pela ursa menor e destruídos. Mas trinta descem pelo esôfago da ursa maior e chegam ao estômago -- grande cavidade, onde reina a mais negra escuridão. E ali ficam chorando e se lamentando: "Ai de nós! Ai de nós!"

Finalmente, acendem uma luz. 
(Moacyr Scliar)

01) Os dois primeiros textos foram retirados de livros da Bíblia. O fato de um remeter a outro caracteriza um tipo de intertextualidade: quando se lê um, automaticamente lembra-se do outro porque tratam da mesma personagem, dos mesmos fatos protagonizados por ela. 

a) Releia-os e aponte as características textuais que os diferenciam:

b) Que recursos são utilizados em cada um para atestar os fatos milagrosos?

c) É possível dizer que um texto "lança luz sobre o outro", ou seja, esclarece o outro? Justifique sua resposta:

02) A partir de uma passagem bíblica, o autor cria uma história que, na verdade, é muito semelhante a um mito de criação. É possível encontrar muitos mitos que explicam a criação do universo ou do homem nas religiões ou na cultura popular. Pesquise alguns e compare-os com o texto 03. Há semelhanças entre eles? Comente:

03) Apesar das características do conto, a narrativa do texto 03 é pontuada de descrições realistas das cenas, que ressaltam o aspecto  científico dos fatos. Aponte algumas passagens em que isso ocorre:

04) Note que as personagens, com exceção de Eliseu, não têm nome nem agem individualmente, mas em grupos. Na sua opinião, qual é o significado dessa escolha, no conto?

05) Quando a sociedade se organiza finalmente, o autor passa a utilizar o diminutivo para denominar seus produtos. Há um duplo significado para esse fato. Indique-os:

06) O diminutivo, nesses casos, indicam carinho (afetividade) ou tamanho? Comente:

07) Explique por que a palavra destacada no texto é grafada com S e não com Z:

08) Como você interpreta a estrutura circular desse conto? 

quarta-feira, 27 de julho de 2016

"Renúncia", de Manuel Bandeira

Renúncia

Chora de manso e no íntimo... Procura
curtir sem queixa o mal que te crucia:
O mundo é sem piedade e até riria
da tua inconsolável amargura. 

Só a dor enobrece e é grande e é pura. 
Aprende a amá-la que a amarás um dia.
Então ela será tua alegria,
E será, ela só, tua ventura... 

A vida é vã como a sombra que passa...
Sofre sereno e de alma sobranceira,
Sem um grito sequer, tua desgraça.

Encerra em ti tua tristeza inteira,
e pede humildemente a Deus que a faça
tua doce e constante companheira...

(Manuel Bandeira) 

01) Em "Procura curtir sem queixa o mal que te crucia", qual é o significado do verbo em destaque? Empregue-o num sentido diferente do texto:

02) Há alguma relação entre o título e a ideia central do poema? Justifique:

03) Comprove por que o texto é um soneto:

04) Como o poeta conceitua a dor? 

05) Por que é um poema de exortação?

06) Qual a função de linguagem predominante no poema? Justifique sua resposta:

07) Nos versos "Só a dor enobrece e é grande e é pura", que figura de linguagem foi empregada e qual seu efeito no texto?

08) Na comparação "A vida é vã como a sombra que passa...", que imagem o autor nos transmite sobre a vida?

09) Releia os dois últimos versos do poema e identifique a alternativa correta:

(A) O poeta crê ser preferível a tristeza à alegria.
(B) Só Deus nos dá forças para suportar a tristeza.
(C) O poeta exorta que se peça a Deus, com humildade, alívio para os males.
(D) O poeta transmite uma mensagem de conformismo.

10) Que mensagem o texto lhe transmitiu? 

sábado, 23 de julho de 2016

Escola sem partido ou a lei da mordaça?!?

Escola sem partidos, eu apoio!

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-- Não fale nada. Não se misture. Tome cuidado.

Era época do AI5. O medo rondava. Pensar era perigoso. Falar o que pensava, então, saía caro. Custava a vida. Pessoas sumiam. Umas por dias. Outras para sempre. Não voltavam. Ou voltavam torturadas. Aos pedaços. Coração em farrapos.

Nas escolas, a matéria era decoreba. Folhinhas e mais folhinhas de nomes e datas. Só. Sem grandes questionamentos ou discussões. O receio se espalhava nas almas como triste erva-daninha em jardim abandonado. Política? A prudência aconselhava: melhor largar de mão.

De temor em temor, a gente se encolheu. Se afastou do contexto político. Não se envolvia, não questionava. Assim a gente chegou ao fundo do poço. Com uma coleção vergonhosa de políticos corruptos que, impunes, fazem o que bem entendem.

As falcatruas são tantas que daria um álbum. Aliás um álbum bem grosso e com direito a muitas figurinhas repetidas. Inclusive várias da mesma família.

O povo virou herança. Passa de pai para filho. Herança que ninguém cuida. Políticos se espalham como mato. Sugam, matam, como parasitas. Dilapidaram nossas riquezas, e o que havia de condições de vida. Da gente, só querem o voto. Depois descartam. Até as eleições seguintes.

A gente permitiu. Se omitiu. Omissão também é escolha. Não ter partido já é tomar partido. A falta de escolha já é escolha.

Agora, como reedição do AI5, surge essa proposta da “escola sem partido”. Um projeto de lei que visa, resumidamente, murchar a capacidade de questionamento dos alunos. Cercear a colocação crítica dos professores. Um “projeto mordaça”.

O que está por trás desse projeto de lei? A proposta verdadeira não é a de uma escola neutra. Não se iluda. Nada é neutro e apartidário. O real objetivo é excluir a liberdade de ensinar. Empobrecer ainda mais a escola que temos. Um crime.

Quem elabora um projeto desses não tem ideia do que seja Educação. Mas tem a exata ideia do que é pressão, repressão, perseguição e ameaça. Voltamos à ditadura. E estupramos a constituição que assegura o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas.

Estamos abrindo a temporada de caça às bruxas. As bruxas? Os professores, essas criaturas perigosas que pensam e ensinam a pensar.

A escola que questiona, pondera, critica, incomoda. A escola que te leva a sonhar com uma sociedade minimamente justa, é perigosa. Final de linha para os corruptos que precisam e contam com os votos dos incautos abobalhados. Melhor garantir que não se saia da decoreba boba e básica, não é?

Professores não incitam. Alunos não são seres manipuláveis. Entre numa sala de aula. Assista o que se passa. Os alunos de hoje são super bem informados. Antenados, têm as próprias ideias.

Ao contrário, manipulados, alienados é o que eles querem que a gente construa. Alunos apáticos. Que não pensem. Não participem da dinâmica social. Não se coloquem, não enxerguem os absurdos, não reivindiquem o justo. Robôs eleitores são o sonho dourado para candidatos manipuladores e corruptos.

Reparem os alunos que fizeram o lindo movimento de ocupação das escolas. Eles incomodam. Eles põem poderes em risco. Meninos não manipuláveis? Que vão às ruas? Que ocupam suas escolas e brigam pelos seus direitos? Meninos que se envolvem em manifestações, atos públicos e passeatas? Claro que não pode. Cortem suas asas. São muito perigosos. Não se pode permitir esse abuso!

Por isso é preciso calar a educação o quanto antes. Já se perguntou porque as greves de professores duram tanto? Porque escola fechada dá lucro. O interesse é esse mesmo. Escolas falidas. Professores sem aula. Mal remunerados. Insatisfeitos. Fracos. Professores que não ensinem. É o que eles precisam criar.

Professores são como a onça Juma, morta no desfile da tocha olímpica. Você finge que trata bem. Finge que tem consideração. Sempre mantendo cuidadosamente atrás das grades. No máximo , se andar livre, de coleira. Ao menor ataque, nem pestaneje: tiro, porrada e bomba. Acabe com ele.

Essa é a “lei coleira”. Vamos aceitar? Abaixar as cabeças para facilitar a colocação? Você que está dentro da escola, me diga. Como não falar do dia-a-dia? Do contexto histórico? Das barbaridades que acontecem? Do desrespeito ao povo?

Como não abordar a realidade crua e pobre dos alunos, se é o que eles vivem? Como estar ali e não levantar questionamentos? Não se preocupar em apontar saídas? Não dar voz às revoltas?

Disputas políticas fazem parte da escola viva. Acontecem a todo momento. No embate pelo respeito, pela hierarquia, nos limites, nas regras de convivência. Na compreensão de que não vivo sozinho.

Diferenças partidárias são apenas mais uma ponta de um todo muito maior. Professores são diferentes. Alunos são diferentes. Faz parte. É preciso que se pense:

-- A quem serve a escola partida, rachada, sucateada que os governos têm se empenhado em perpetuar?

-- A quem serve o fechamento progressivo de escolas?

-- A quem serve um ensino que não ensina? E que, mesmo não ensinando, é obrigado a aprovar?

-- A quem vai servir essa pretensa “escola sem partido”?

-- Quem propõe esse projeto de lei? Quem lucra com ele?

-- Quem vai se servir do seu desserviço?

-- A pedido de quem ela está sendo criada? (vou dar uma cola: procure por família Bolsonaro...)

Pensei muito. Medi prós e contras e aqui me posiciono. Sou a favor da escola sem partido. Isso mesmo. Ao contrário do que você imaginou, sou a favor. Estou aberta a mudanças. Quero uma escola melhor. Diferente da que temos hoje.

Há muito tempo que estamos partidos. Estamos partidos nos direitos de avaliar o aluno corretamente. Partidos de medo com o portão aberto, por falta de porteiro. Partidos, no coração, ao ver que faltou merenda e o menino, que só contava com aquela refeição, se encolhe de fome.

Partidos em nossa consideração como profissionais. Desrespeitados. Somos partidos à força em nossas greves. Partidos ao meio, profundamente, quando apanhamos da polícia no meio da rua.

Partidos e segregados na hora de pagamentos e reajustes que surgem como regalias só para categorias específicas. Partidos e parcelados em salários e descontos inadequados e ilegais. Partidos e deixados de lado, como comida ruim, pelo Ministério Público que insiste em não nos enxergar, nem ouvir nossos apelos.

Estou farta! Quero escola inteira, sem partidos! Tenho sede é de escola inteira. Uma escola de discursos múltiplos. De debate e criação de conhecimento. Uma escola crítica, como críticos já são as crianças e os adolescentes.

Uma escola de qualidade. Boa. Suculenta em conhecimento e cidadania. Plural e linda. Um inteiro de diversidades. De diferenças. De cabeças pensantes. De cores e brigas, discussões e acertos.

Sem pedaços e destroços. Sem rachaduras, nem maquiagem. Inteira em teto, chão, paredes. Inteira em almas diversas e unidas no mesmo objetivo.

Uma escola empenhada em problematizar. Em desconstruir e refazer. Onde, cada um com suas características, se exponha, sem medo. E todos juntos sejam ponte, laço, futuro. Um futuro que nos redima de um passado tão triste. E de um presente tão duro.

Escola inteira. Formadora de cidadãos inteiros e conscientes. Capazes de modificar o mundo. Porque o que está aí, sinceramente, não está servindo mais.

Existe uma consulta pública. Entre, vote. Dê seu voto. Proteste, enquanto ainda é possível. Pelo jeito que as coisas andam, a gente não sabe até quando ainda vai poder falar o que pensa.

(Mônica Raouf El Bayeh)
01) O título parece indicar que a autora é a favor do projeto de lei "Escola sem partidos". No decorrer do texto isso se confirma? Justifique sua resposta:

02) Como as matérias eram ensinadas no tempo da ditadura? Voltar a isso seria um avanço ou um retrocesso, na sua opinião? Comente:

03) Por que a gente chegou ao fundo do poço, segundo a autora? Você concorda ou não com ela? 

04) Quando a autora menciona que há algumas figurinhas repetidas, tal expressão encontra-se no sentido denotativo ou conotativo? Explique: 

05) Ao dizer que existem várias figurinhas "da mesma família", que problema a autora denuncia? Isso é comum de acontecer? Se é proibido, por que então nada acontece? 

06) A que a autora compara os políticos? Tais comparações são, de fato, válidas? Comente: 

07) Posicione-se sobre a passagem destacada no texto, explicando: 

08) Por que tal projeto de lei também pode ser chamado de "lei da mordaça"? Qual o REAL objetivo dele? 

09) O que é uma "caça às bruxas"? 

10) Por que o professor tem sempre sido alvo desse tipo de ameaça, de castração? 

11) Por que a escola, dependendo do que ela ensina, pode ser perigosa? Perigosa para quem? 

12) Além dos professores, a autora cita outros seres "perigosos". Quem? Por quê? O que você pensa a respeito disso?

13) Por que a greve, segundo a autora, dura tanto? Você concorda com isso? Justifique sua resposta:

14) Retire do texto um exemplo de intertexualidade, explicando: 

15) A que a autora compara os professores? Por quê? 

16) Transcreva do texto uma passagem extremamente irônica, explicando a sua escolha:

17) Quando a autora fala que é a favor da escola sem partidos, o termo em destaque tem o mesmo sentido do usado no projeto de lei? Explique: 

18) O que a autora disse com a passagem "Eu tenho sede é de escola inteira"? 

19) Que mensagem o texto lhe transmitiu? Comente:

20) Afinal, você é contra ou a favor do projeto de lei "Escola sem partido"? Por quê? Já votou na consulta pública indicada pela autora? 

21) Observe a imagem abaixo e as sugestões de "propostas". Qual delas você acha mais importante do que a que está sendo proposta? Quem mais tem destruído o nosso país? É mesmo o "perigoso" professor? 

https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgkwQjbQK5LkOBt5nG_vnHsC6wWFe-uz4XnLK1nun6TSdmkkIcQnxPKfJl-wm4nuL5DIg__szEFfmfptKbYdVhqLv6HSkAwgbX4EgGW2aE8i2c-i5wAHXtivwuLYPEaLDyR-pqT_Q-H3AE/s400/13754443_1054023367968999_7947366863028392363_n.jpg

22) O que a charge abaixo denuncia? Comente: 

https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEib4usx_rGUcPiZu076uZeBrXbn7Y9kUw7BX9wS6PPewfDMONpBTUY3ZZGjSFwWKcdNjBVNqdmPBmv3r0SsKtYpsM8GgMxjJ1db743QHtPd739amQ5ZofEhTb0LBeeYka_3j2mHcJIvVTs/s400/13729057_871580369653354_3939377111494307103_n.jpg


segunda-feira, 4 de julho de 2016

Mais um texto ma-ra-vi-lho-so!

Uma vergonha de proporções olímpicas

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Jhonata, por um saco de pipoca. Gisele, por ter ido trabalhar. Ana Beatriz, indo buscar a mãe no aeroporto. Isso sem falar nas mortes por falta de hospitais. Por falta de leitos, de medicamentos. Na falta que o dinheiro evaporado não paga, nem compra.

Nossa lista diária de mortes é de cortar o coração. Não tem hora. Não tem cor. Idade, classe social, nem lugar. Reze ao sair de casa. Agradeça, se voltar.

A Educação vai muito mal. A Saúde agoniza. Segurança já não aparece há muito tempo. Até quando?

UERJ de portas fechadas. Hospital Pedro Ernesto também fechando as portas. Os funcionários sem salários ou com salários atrasados. Professores em greve há meses sem que haja real interesse do governante em negociação. Falta verba. Como, se todo mundo continua pagando os impostos?

O dinheiro some de onde devia estar. Evapora. Como mágica. Aposentados com salários atrasados passam fome. Enquanto isso, cargos comissionados são criados com salários de até vinte e cinco mil reais. Fomos todos abandonados. Largados ao Deus dará. Sem saúde, educação, segurança, salários. Não tem dinheiro para quem? Essa é a pergunta correta, não?

Nossa situação por aqui já não era boa, há muito tempo. Mas, sem dúvida, piorou muito com as somas vultuosas das obras feitas para a Olimpíada. Cidade maquiada. Obras que caem e se desfazem dias depois de inauguradas. Para inglês ver.

Conheço pessoas ótimas que carregaram a tocha. Pessoas que eu admiro. Fiquei feliz de ver o brilho nos olhos, o sorriso vitorioso. Mereceram. Foi bonito. Não estou aqui julgando as pessoas que têm participado da passagem da tocha.

Só acho que é preciso compreender de forma mais ampla as tentativas das pessoas de apagar a tocha. Apagar tocha é crime?

Crime é deixar criança com frio de noite na rua. Crime é sumir com o dinheiro da saúde. Crime é precisar do básico e não ter. Crime é ver civis e policiais morrendo como moscas todos os dias sem que uma política adequada seja providenciada.

Crime é não cuidar das escolas. Crime é mandar bater em professor. Crime é ter permitido durante tantos anos que as águas da Baía de Guanabara e da Lagoa Rodrigo de Freitas ficassem imundas. Crime é a cara de pau de quem acha que trabalhador não merece salário digno e no dia correto.

Por trás de cada balde e extintor que se ergue, é a nossa revolta que se ergue junto. O povo não é burro! O famoso e antigo "Pão e Circo" não funciona mais. Sabe por quê? Porque o pão acabou. O povo já não consegue comprar. O Pão e Circo virou um pobre Circo. E o circo não sustenta quem tem fome. Temos fome. De pão, sim. E de Educação, Saúde, Segurança e, sobretudo, Justiça.

Uma Justiça que, tristemente, não tira a venda. E uma balança que está bem tendenciosa. Nunca para o lado dos pobres. Esses, abandonados, cada dia mais.

Somos onça Juma. Não importa se o que acontece nos agride os ouvidos. Se não nos é confortável. A gente que se dane. Na menor ameaça de revolta, somos recebidos a tiro, bomba, bala de borracha, sumiço.

Nos querem de coleiras, mordaças, para irmos mansos para onde eles quiserem nos levar. Povo acovardado. Adestrado. Obediente. Um povo sem cultura, doente, inseguro vira fácil massa de manobra. Esse é o que interessa.

Por isso nos tiram escolas. Para que a gente não questione, não levante hipóteses, não aprenda a ler de outra forma os dados que se apresentam. Professores incomodam. Por isso nos tiram as universidades. Os hospitais, os bandejões. Por isso não há segurança. E nunca vai haver. O que dá segurança é a escola. A instrução. Para cada escola fechada, um presídio aberto amanhã.

Pagamos uma fortuna por uma festa de gosto duvidoso, a começar pelo uniforme esquisito e cafona. A lista de falhas e vergonhas só faz crescer. Brasil virou chacota nos jornais do mundo todo. Muitos dos escolhidos para carregar a tocha são ex-BBB e atores. Qual sentido?

Somos piada pronta. Isso a preço de ouro. Superfaturado. Ainda querem aplausos e claque? Para! Pode parar! Essa tocha que atocha o povo, a gente não quer, não. Queremos apagar essa tocha de direitos para sempre e só para os mesmos.

A tocha arruma a cidade para gringo ver. Nos abandona miseráveis num canto. Essa tocha, dessa forma, não nos interessa. Precisamos de tocha, sim. De outro tipo. Uma que traga luz, que ilumine os tão abandonados caminhos da retidão. Basta de circo. O povo quer seus direitos. O retorno de seu dinheiro de impostos. Sobretudo, respeito e dignidade.

(Mônica Raouf El Bayerh)

01) No primeiro parágrafo, embora deixe claro que existem muitos casos "anônimos", a autora cita três nomes. Explique o que aconteceu com cada um deles:

02) Ela também cita três áreas bem problemáticas no nosso país. Quais são elas? O que você pensa a respeito disso? Concorda com ela? Citaria mais alguma? Comente:

03) Quais os principais sintomas do caos citados por ela no quarto parágrafo? 

04) Tente responder à pergunta (retórica) feita pela autora nesse mesmo parágrafo:

05) Você concorda com ela que as coisas pioraram por conta da Olimpíada? E na época da Copa do Mundo, aqui sediada? Justifique sua resposta:

06) O que significa a expressão "para inglês ver"? A que ela é relacionada no texto? Explique: 

07) A autora parece ter alguma coisa contra as pessoas que carregaram ou carregarão a tocha? Comprove sua resposta com uma passagem do texto:

08) Recentemente vimos a notícia de que um jovem de Manaus resolveu apagar a tocha, quando a mesma passava por lá. Foi preso. O que você pensa a respeito disso? E qual parece ser a postura da autora com relação a isso? Comente:

09) Justifique o emprego dos dois porquês destacados no texto, situados no décimo primeiro parágrafo: 

10) Explique o que é a famosa política de "Pão e circo", dizendo porque, segundo a autora, ela não funciona mais:

11) Qual dos "crimes" citados pela autora que mais chamou a sua atenção? Por quê?

12) Que crítica a autora faz, dentre outras coisas, à Justiça? O que você pensa com relação a isso?

13) Qual o interesse dos nossos governantes? Como eles querem que seja o povo e por quê?

14) Qual a intenção da autora ao citar a onça Juma? Você sabe o que aconteceu com ela? O que então a metáfora utilizada pela autora quer dizer? 

15) Posicione-se sobre a afirmação que se encontra em destaque no texto, justificando sua resposta:

16) Que crítica a autora faz a determinadas pessoas que levarão a tocha? Por quê? Com que intenção provavelmente foram escolhidas? Quem apenas deveria conduzir a tocha? 

17) Você acha que o Brasil está virando chacota nos jornais do mundo todo? Merecidamente ou não? Justifique sua resposta:

18) Que expectativa você tem com relação à Olimpíada em si? Comente:

19) Por que a autora diz que a piada é a preço de ouro e superfaturado? Explique: 

20) Que mensagem o texto lhe transmitiu? 

domingo, 3 de julho de 2016

Muuuuuuuuuuito bom texto!

Grevistas não são safados que não querem trabalhar

Voto é como compra na internet. Às vezes dá certo. Às vezes não dá, aí é um caos: vem, mas não é seu número, é muito grande, muito pequeno, a cor não é bem o que mostrava, vem, mas não funciona. No caso do Rio de Janeiro, parece que foi bem assim. Votamos buscando parceria. A propaganda era enganosa e o que veio mesmo foi um senhor de engenho.

Temos senhores de engenho. Os escravos, muitos de nós. No caso de hoje, os professores. Os professores fazem greve e são tratados como escravos fujões. Claro, como todo escravo atrevido, amarrados ao tronco para aprender a lição.

Vimos cenas de embrulhar o estômago de revolta. Nossos professores apanhando nas ruas como cão ladrão. Ninguém se revolta? Cães maltratados dão muito mais ibope no Facebook do que professores? Não é de se estranhar?

Os feitores, a PM, não percebem que são tão escravos quanto os professores. Também não têm suas necessidades básicas atendidas. Uns poucos já se revoltam com as péssimas condições de trabalho que lhe foram oferecidas na Copa.

Barão de Montesquieu dizia: "a injustiça que se faz a um é uma ameaça que se faz a todos". Entenderam ou querem que eu desenhe? A PM sem alimentação e sem acomodação adequada se queixou. Não sei se chegaram a perceber o quanto são próximos dos professores. Em termos funcionais, quase irmãos. Mas ainda não conseguem a empatia necessária para se irmanar com grevistas.

Os escravos tinham quilombos, os professores não querem se esconder, querem denunciar. Porque é preciso denunciar o massacre que está sendo feito na Educação pública. Os desmandos sem noção que eles são obrigados a obedecer.

Professores estão sendo demitidos, considerados INAPTOS a exercer a função porque fizeram greve. Inaptos a quê? A fingir que está tudo bem? A se calar frente à pouca importância que os educadores têm nesse governo? Então INAPTIDÃO é a saúde de diagnosticar a doença! Inaptidão é vida e esperança de dias melhores. Educadores não podem ser vaquinhas de presépio. Há crianças sendo prejudicadas. Como se calar frente a isso?

As nossas crianças sem seus direitos mais básicos atendidos. Eles não precisam de crianças, precisam de números camuflados. Números que mostrem só felicidade. Povo burro, desinformado fica feliz mais facilmente. Professores só atrapalham esse processo de desinformação.

A chibata agora é no salário. Os contracheques dos professores vieram zerados. Numa clara falta de ordem, justiça ou critérios. Professores que exercem a mesma função receberam valores que oscilam de 123,00 a zero. Com base em que mesmo?

Nossa primeira reação é pensar:

- Bem feito. Não trabalharam. Querem receber pelo quê? Trabalho zero, salário zero.

É com esse tipo de apoio que o senhor de engenho conta. Só que não. Os professores grevistas nunca se negaram a trabalhar. Trabalharam nas ruas divulgando a educação doente, sendo depenada, silenciada, aviltada. Isso é trabalho.

Professor grevista não é um sem-vergonha que faz greve para fugir da escola prejudicando as criancinhas. Professores estão angustiados porque são eles que estão vivendo esse massacre dentro e fora da escola. A educação, não se enganem, dentro das escolas também está sendo tratada a balas de borracha. Alguém tem que denunciar.

Professor descontado não repõe aula. Que fique claro isso! Ele não vai trabalhar pelo que não recebeu. Você trabalharia pelo que não recebeu? Mais uma vez, os alunos estão sendo prejudicados. Não pela greve, mas pelo governo que parece estar se lixando para tudo isso.

Os professores grevistas não são safados que não querem trabalhar. São pessoas que querem trabalhar com condições adequadas de trabalho. Sem aquela máxima de fazem de conta que me pagam e faço de conta que ensino. Não tem faz de conta. O que tem que ter é: faz as contas.

Faz as contas de quantas crianças estão se perdendo, faz as contas de quantos analfabetos funcionais estão saindo da escola com diploma, faz as contas do que vocês governantes estão roubando dessa juventude.

(Mônica Raouf El Bayeh)
01) A que a autora compara o voto? Que argumentos ela usa para nos convencer? Você concorda com ela? Justifique sua resposta:

02) Quem são os senhores de engenho? E os escravos? E os feitores? Quem é o "escravo da vez"? Por quê?

03) A que fato a autora se refere e que a deixou revoltada? Isso foi claramente mostrado nas mídias? Por quê? 

04) Quem você acha que é pior: os senhores de engenho ou os feitores? Justifique sua resposta: 

05) Posicione-se sobre a afirmação do Barão de Montesquieu, tão bem utilizada pela autora: 

06) Por que será que PM, assim como carteiros e bancários, ou qualquer outra categoria, quando fazem greve, não sofrem tanta pressão quanto os professores? 

07) Transcreva do quinto parágrafo uma passagem em que a autora é irônica, explicando: 

08) Qual a diferença que a autora aponta entre os escravos e os professores? O que você pensa a respeito disso? 

09) Em que parágrafo a autora sinaliza que tudo anda meio invertido hoje em dia? Comente:

10) Na visão da autora, os professores grevistas estão sendo "vaquinhas de presépio" ou não? Quem, então, estaria sendo? Por quê?

11) Quando a autora fala que "Há crianças sendo prejudicadas", quem seria o sujeito dessa ação? De quem você já ouviu tanto falar que é a culpa? Por quê?

12) Que mensagem o texto lhe transmitiu? De que lado dessa guerra você, afinal, está? 

Aproveito o momento também para AGRADECER à já tão querida Mônica (me tornei FÃ!) por ser esse oásis em meio a taaaaaaaaaaaaaaaaaanto deserto! Se as porradas (literais da PMerda, e não literais -- mas que doem tanto quanto -- das mídias, de diretores, do (des)governo, de alguns pais desinformados, de alguns alunos preocupados...) doem, esse abraço dela foi SALVADOR, tão necessário! Obrigada, de coração. 

"Da utilidade dos animais", de Carlos Drummond de Andrade

Da utilidade dos animais

Terceiro dia de aula. A professora é um amor. Na sala, estampas coloridas mostram ani­mais de todos os feitios. É preciso querer bem a eles, diz a professora, com um sorriso que envol­ve toda a fauna, protegendo-a. Eles tem direito à vida, como nós, e além disso são muito úteis. Quem não sabe que o cachorro é o maior amigo da gente? Cachorro faz muita falta. Mas não é só ele não. A galinha, o peixe, a vaca... Todos ajudam.
― Aquele cabeludo ali, professora, tam­bém ajuda?
 Aquele? É o iaque, um boi da Ásia Cen­tral. Aquele serve de montaria e de burro de car­ga. Do pêlo se fazem perucas bacaninhas. E a carne, dizem que é gostosa.
― Mas se serve de montaria, como é que a gente vai comer ele?
― Bem, primeiro serve para uma coisa, de­pois para outra. Vamos adiante. Este é o texugo. Se vocês quiserem pintar a parede do quarto, es­colham pincel de texugo. Parece que é ótimo.
― Ele faz pincel, professora?
― Quem, o texugo? Não, só fornece o pêlo. Para pincel de barba também, que o Arturzinho vai usar quando crescer.
Arturzinho objetou que pretende usar bar­beador elétrico. Além do mais, não gostaria de pelar o texugo, uma vez que devemos gostar de­le, mas a professora já explicava a utilidade do canguru :
― Bolsas, malas, maletas, tudo isso o couro do canguru dá pra gente. Não falando na carne. Canguru é utilíssimo.
― Vivo, fessora?
― A vicunha, que vocês estão vendo aí, produz... produz é maneira de dizer, ela forne­ce, ou por outra, com o pêlo dela nós prepara­mos ponchos, mantas, cobertores, etc.
― Depois a gente come a vicunha, né fessora?    
― Daniel, não é preciso comer todos os ani­mais. Basta retirar a lã da vicunha, que torna a crescer...
― E a gente torna a cortar? Ela não tem sossego, tadinha.
― Vejam agora como a zebra é camarada. Trabalha no circo, e seu couro listrado serve pa­ra forro de cadeira, de almofada e para tapete. Também se aproveita a carne, sabem?
― A carne também é listrada? - pergunta que desencadeia riso geral.
― Não riam da Betty, ela é uma garota que quer saber direito as coisas. Querida, eu nunca vi carne de zebra no açougue, mas posso garan­tir que não é listrada. Se fosse, não deixaria de ser comestível por causa disto. Ah, o pingüim? Este vocês já conhecem da praia do Leblon, on­de costuma aparecer, trazido pela correnteza. Pensam que só serve para brincar? Estão enga­nados. Vocês devem respeitar o bichinho. O ex­cremento - não sabem o que é? O cocô do pin­güim é um adubo maravilhoso: guano, rico em nitrato. O óleo feito com a gordura do       pingüim. . .
― A senhora disse que a gente deve respeitar. - Claro. Mas o óleo é bom.
― Do javali, professora, duvido que a gen­te lucre alguma coisa.
 Pois lucra. O pêlo dá escovas de ótima qualidade.
― E o castor?
― Pois quando voltar a moda do chapéu para homens, o castor vai prestar muito serviço. Aliás, já presta, com a pele usada para agasa­lhos. É o que se pode chamar um bom exemplo.
― Eu, hem?
― Dos chifres do rinoceronte, Belá, você pode encomendar um vaso raro para o living de sua casa. Do couro da girafa, Luís Gabriel pode tirar um escudo de verdade, deixando os pêlos da cauda para Teresa fazer um bracelete genial. A tartaruga-marinha, meu Deus, é de uma utili­dade que vocês não calculam. Comem-se os ovos e toma-se a sopa: uma de-lí-cia. O casco serve para fabricar pentes, cigarreiras, tanta coisa... O biguá é engraçado.
― Engraçado, como?
― Apanha peixe pra gente.
― Apanha e entrega, professora?
― Não é bem assim. Você bota um anel no pescoço dele, e o biguá pega o peixe, mas não pode engolir. Então você tira o peixe da goela do biguá. - Bobo que ele é.
 Não. É útil. Ai de nós se não fossem os animais que nos ajudam de todas as maneiras. Por isso que eu digo: devemos amar os animais, e não maltratá-los de jeito nenhum. Entendeu; Ricardo?
 Entendi. A gente deve amar, respeitar, pelar e comer os animais, e aproveitar bem o pê­lo, o couro e os ossos.

 (Carlos Drummond de Andrade)


01) O texto apresenta uma aula em andamento, caracterizando uma situação bastante dinâmica. Na apresentação da fala das personagens, predomina o discurso direto ou indireto? Por quê?

02) A utilização predominante no tipo de discurso acima colabora para o dinamismo, para a vivacidade do texto? Por quê?

03) “É preciso querer bem a eles, diz a professora, com um sorriso que envolve toda a fauna, protegendo-a.” Existe uma grande contradição entre esse trecho inicial e o que se mostra no restante do texto. Explique essa contradição:

04) Alguns trechos revelam que as crianças estavam achando incoerente a ideia de amar e respeitar os animais e, ao mesmo tempo, retirar coisas deles, como o pêlo ou mesmo a vida. Retire do texto dois trechos que comprovem essa afirmação:

05) Quem foi o primeiro a perceber o discurso contraditório da professora? Comprove com uma passagem do texto:

06) Procure outras falas dos alunos que demonstram perceber a incoerência da professora: 


07) 
Como a professora reage a esse tipo de intervenção das crianças?

08) O que mostra a conclusão a que chegou Ricardo no final da aula? 

09) O texto apresenta um humor que não é puro entretenimento: ele tem uma intenção crítica. O que o texto critica?

10) De acordo com o texto, o que o homem tem em vista na sua relação com os animais?