Projetar é sonhar, garante o educador Nilbo Nogueira. Afinal, tem coisa melhor que planejar e pôr em prática, na sala de aula, atividades de acordo com seus gostos e interesses? Mas não basta sonhar sozinho. Para ele, trabalhar com projetos deve ser uma criação coletiva da coordenação, dos professores e, principalmente, dos alunos. Esperando a professora dizer com que cor pintar o céu. Parece piada, mas é assim que o educador Nilbo Nogueira define o sentimento de muitos alunos nos processos tradicionais de ensino-aprendizagem. Especialista em projetos educacionais, ele não titubeia em apontar o fim da passividade em favor da interação como principal vantagem dos projetos. Se dependesse só de sua vontade, alunos passivos e professores ditando regras já seriam artigos de museu. Mas tal conquista não é fácil, admite. "Os alunos ainda não estão acostumados com a autonomia (...) a sensação é de que estão perdidos, pois não existe, no projeto, o professor dirigindo". Para ele, a questão é tão séria que, em vez de ir pondo planejamento, execução e avaliação de projetos onde antes havia aulas e provas, ele recomenda cautela e uma regrinha básica: é preciso que fique muito claro para os alunos o que é um projeto e qual o seu papel dentro dele. E se os alunos não se sentirem motivados a participar? "Duvido que eles prefiram ficar passivos dentro da sala de aula copiando textos do quadro-negro", desafia de pronto. Segundo ele, o problema é outro. Para explicar o papel do aluno, é preciso primeiro que os professores entendam seu próprio papel nessa dinâmica. Ele lamenta que ainda haja educadores que resistam aos projetos, "achando que a escola está arrumando mais serviço para eles". Para Nilbo, cabe ao professor apenas e tão somente mediar e facilitar as etapas do projeto. Quem interage e trabalha, na verdade, são os alunos. Segundo ele, às vezes o equívoco é tão grande que "alguns professores estão praticando a dinâmica de projetos em sala de aula solicitando a seus alunos atividades planejadas por eles ou pela coordenação pedagógica da escola". "Alguns esquecem que projetar é sonhar e que ninguém pode realizar o sonho do outro", conclui. Na entrevista a seguir, Nilbo Nogueira fala da necessidade de superar os modismos e mal-entendidos que envolvem os projetos e cita a Internet como um instrumento capaz de potencializar pesquisas, interações e trocas de informações para além dos muros da escola. A propósito, o Portal Educacional acaba de lançar o Concurso NetBrasil 2002, que vai premiar dois projetos educacionais que usarem a Internet com essa finalidade. Qual a principal vantagem em se trabalhar por meio de projetos educacionais? Impossível pensar o processo de ensino-aprendizagem sem múltiplas interações. O ensino formal, em que o aluno não participa e não interage em seu processo de construção do conhecimento, é algo mais do que questionável atualmente. Dessa forma, podemos citar, dentre várias vantagens dos projetos, a mais importante, que é a troca da passividade do aluno pela interação. Os projetos, com certeza, parecem suprir essa necessidade de fazer com que o aluno rompa com sua passividade e interaja de diferentes maneiras em todas as etapas de sua execução. Existem regras básicas que devem fazer parte de qualquer projeto, independentemente do tema tratado? Acredito que sim. De certa forma, nossos alunos ainda não estão acostumados com a autonomia, e, nos projetos, precisamos trabalhar com essa questão. Se não estabelecermos como primeira regra contar aos nossos alunos o que é um projeto e como se trabalha com o ato de projetar, eles terão a sensação de que estão "perdidos", pois não existe, no projeto, o professor dirigindo e ditando as tarefas, as atividades, a cor da caneta, a forma da maquete, o tipo de cartaz, etc. Entendido primeiramente o que é um projeto e qual o seu papel dentro dessa dinâmica, as regras seguintes são aquelas relacionadas às etapas de um projeto, que são norteadoras para seu planejamento, execução, depuração, apresentação e avaliação. A interdisciplinaridade ou a multidisciplinaridade é um requisito essencial de qualquer projeto? Seria se todos os projetos fossem interdisciplinares. Na prática, um projeto pode iniciar com apenas um professor de uma única disciplina tratando de um determinado conteúdo programático. No decorrer do projeto, conforme interesses e necessidades, outros professores e outras disciplinas podem interagir com o projeto em questão e, dependendo da forma, a multi ou a interdisciplinaridade poderão acontecer espontaneamente. De nada adianta a escola estabelecer como tema único para todas as séries e professores que o projeto desse bimestre será "Brasil 500 Anos" (ainda bem que já acabou esse modismo); um tema único de um projeto para toda escola não garantirá necessariamente a prática da interdisciplinaridade. Já presenciei inúmeros projetos que iniciaram em uma única disciplina e depois abrangeram outras, por necessidade e interesse de alunos e professores, assim como projetos de temas únicos em escolas que pretendiam praticar a interdisciplinaridade e, no final, cada professor trabalhou o tema de forma isolada. Qual a relação entre projetos e temas transversais? Embora isso não seja uma regra, os projetos, na prática, têm ocorrido em um determinado período letivo. Por exemplo: no primeiro bimestre ou no segundo semestre, etc. Dessa forma, um projeto temático não vai contemplar necessariamente o ano letivo inteiro. Quando nos referimos aos temas transversais, esperamos que, na prática, esse tema seja abordado, se possível, durante todo o ano letivo e por todos os professores. Espera-se que essa abordagem seja realizada pelos professores de forma sutil, incorporada ao seu conteúdo. Não podemos imaginar um tema transversal sendo tratado como um "caroço", ou seja, no meio do conteúdo, o professor dá uma parada, trata do tema transversal e depois volta a falar de seu conteúdo novamente, sem estabelecer nenhum tipo de relação. Fazendo uma metáfora, podemos imaginar uma disciplina como um bolo em que os conteúdos são seus ingredientes: a farinha, os ovos, etc. não aparecem isoladamente, mas sim na composição da massa. Imagine agora comer um bolo e encontrar um "caroço" de farinha! O tema transversal tratado de forma isolada do conteúdo tem essa mesma característica do "caroço" de farinha. Juntando essas situações, poderíamos questionar: é possível trabalhar os temas transversais com projetos? E a resposta seria sim, desde que contemplássemos as questões da forma (projeto) com a necessidade de abordagem (transversal). Que conselhos o senhor daria ao professor que resiste a trabalhar com projetos e a quem está aderindo a esse trabalho pela primeira vez? Não imaginar que o projeto é mais uma atividade que ele vai ter de fazer como tantas outras e que a escola está arrumando mais serviço para ele. No projeto, o professor não terá mais serviço, pois quem na realidade deve interagir e trabalhar são os alunos. O professor simplesmente deverá orquestrar essa atividade, mediando e facilitando suas etapas. Àquele professor que resiste a trabalhar com projeto, achando que terá mais serviço, eu aconselho estudar um pouco mais sobre o que é realmente um projeto, pois só assim perceberá que não é essa a proposta. Muitos resistem por causa dos conteúdos. Aconselho, nesses casos, que pensem então em trabalhar os conteúdos com projetos ou projetos dos conteúdos. Particularmente, acho que a resistência maior está no desconhecido e também na necessidade de ser mais flexível, já que é impossível trabalhar com projetos de forma rígida e inflexível. Num projeto, estamos abertos a tudo, pois projetar é uma referência ao futuro, que, em muitos casos, ainda é desconhecido. Que atitude (ou mudança de atitude) o professor deve ter ao assumir um projeto? Ele deve simplesmente ser mediador e facilitador de todas as etapas de um projeto. Nessa dinâmica, ele não dita regras nem conteúdos, mas, sim, orquestra a projeção de seus alunos. Como encaixar o trabalho com projetos no cronograma apertado e no currículo rígido das escolas? É difícil resolver essa questão, mas não impossível. Então, resta-nos questionar a forma de trabalho com esses conteúdos, bem como a real necessidade de alguns tópicos desses. De nada adianta ter um conteúdo programático "apertado" e o aluno aprender pouco de muito, ao passo que poderia aprender muito de pouco. Questiono particularmente não os conteúdos, mas, sim, a forma como são tratados. Tomando como referência os PCNs, verificamos que os conteúdos devem ser trabalhados de forma conceitual, procedimental e atitudinal. Na prática, o professor domina bem a forma de ministrar seus conteúdos conceitualmente. Mas como está trabalhando estes de forma procedimental e atitudinal? Uma boa saída para esses casos são os projetos, já que, ao projetar, os alunos demonstram atitudes e, ao executá-lo, trabalham com procedimentos. Como despertar o interesse dos alunos se eles já estiverem acostumados à rotina de classes e disciplinas? Começando aos poucos e devagar, de forma que eles rompam com esses "vícios" adquiridos. No primeiro momento, é complicado trabalhar com autonomia com quem sempre esperou a professora dizer de que cor era para pintar o céu. Volto a relembrar a regra básica que já mencionei, que é contar ao aluno o que é um projeto e como se trabalha com um projeto. Entendido qual é a proposta, duvido que eles prefiram ficar passivos dentro da sala de aula copiando textos e mais textos do quadro-negro do que trabalhar com autonomia, planejando e realizando aquilo que têm vontade e pelo que têm interesse. É necessário haver classes específicas para os projetos? Ou, pouco a pouco, os projetos acabarão substituindo o ensino baseado em disciplinas? Existe o ideal e o real. Hoje, o real é conseguir trabalhar com projetos dentro das disciplinas, junto com os conteúdos, e durante as aulas regulares. Espero que um dia consigamos chegar ao ideal, ou seja, o projeto englobando as disciplinas de forma integrada, sem haver a fragmentação das diferentes áreas do conhecimento. Algumas escolas já possuem uma "disciplina" chamada Projeto, que media todas as propostas das diferentes disciplinas. Aparentemente, o resultado parece ser interessante. Como avaliar um projeto? Existe a avaliação do projeto e das aquisições de conteúdos. Ao término da apresentação do projeto, considero como etapa final a avaliação, que na prática é uma sessão, mediada pelo professor, em que cada aluno faz sua auto-avaliação e autocrítica e, posteriormente, avalia e critica (com sugestões) os demais projetos. Como ferramenta de avaliação, podemos utilizar um "processofólio", que é uma pasta em que cada aluno registra todas as ações, descobertas, planejamentos, atividades, rascunhos, interesses, etc. Esse instrumento acaba sendo um registro passo a passo de todo o processo do projeto em questão, bem como o registro da evolução que ocorreu durante a seqüência de realização dos diferentes projetos. Pode-se dizer que um trabalho exclusivamente por projetos é mais eficaz? Difícil afirmar isso. Mesmo sendo um apaixonado e partidário da utilização dos projetos, tenho de reconhecer que existem outras possibilidades de interação dos alunos e outros processos que auxiliam na aprendizagem. Posso afirmar, sem sombra de dúvidas, que os projetos são uma das formas eficazes. Na sua opinião, a Internet pode ajudar a execução de projetos? Como? Pode e muito. Da mesma forma que trabalhamos com projetos em um espaço real de aprendizagem, também podemos trabalhar em um espaço virtual (ciberespaço) de aprendizagem. Os mesmos projetos que realizavam atividades em papel, isopor, cartolina, utilizando tintas, encenações, entrevistas gravadas em vídeo, etc., podem ser trabalhados com produção de documentos na Web. A diferença é que a apresentação final não necessariamente ocorrerá no espaço real (da escola), mas sim no ciberespaço, por meio de sites e home pages. Acho que a Internet não está sendo utilizada em todo o seu potencial. Muitos ainda a encaram como fonte de pesquisa e coleta de informações, esquecendo-se do rico arsenal de ferramentas de comunicação que podem propiciar um trabalho cooperativo. Dessa forma, os projetos podem ser trabalhados além das paredes da escola e por grupos distintos de diferentes regiões. Lentamente, as coisas estão caminhando para um trabalho no ciberespaço e, conseqüentemente, na colaboração da construção de uma inteligência coletiva. Percebe-se a preocupação de muitos professores em desvendar esses novos "mistérios". Particularmente, tenho presenciado isso em uma das disciplinas (Internet Pedagógica) que leciono num curso de pós-graduação. É válido que o professor recorra a projetos sugeridos em revistas ou sites, adaptando-os à realidade dos alunos, mesmo que ele tenha dúvidas sobre como criar projetos próprios? Não acredito que modelos copiados surtam efeito de projetos, mas, sim, de atividades e tarefas solicitadas aos alunos. Para o professor que nunca trabalhou com projeto, admito até a possibilidade de copiar e utilizar uma ou duas vezes um "modelo", mas a partir disso, vejo a necessidade de trabalhar na criação de projetos de forma coletiva, principalmente com seus alunos. Se projetar é sonhar, fica, então, a pergunta: Como poderei realizar "sonhos" de terceiros? Sobre essas adaptações, um mesmo projeto pode se aplicar a todas as idades, apenas variando o grau de dificuldade, como sugeriu Brunner em seu "currículo espiral"? Sim. Acredito que as adaptações de intensidade sobre um mesmo tema são fundamentais. Mas acho que proposto o tema e perguntado aos alunos quais seriam suas vontades, necessidades, interesses, etc., eles mesmo acabarão norteando a profundidade e abrangência do projeto. Dessa forma, creio que um tema único pode ser aplicado a diferentes faixas etárias, pois, em cada uma delas, surgirão naturalmente os diferentes interesses, variando conforme suas necessidades sobre a problemática proposta. Muitos professores já fazem projetos sem saberem que o estão fazendo, outros o fazem apenas no papel (muitas vezes são obrigados a fazer). Qual a mudança necessária na formação de professores para que a pedagogia de projetos realmente faça parte da rotina de nossas escolas? Para se praticar a dinâmica de trabalho com projetos, é necessário previamente estudar, ler e entender essa proposta de atuação em sala de aula. Acho que a falta de entendimento e compreensão está levando alguns professores à pratica de um modismo. Alguns professores estão praticando a dinâmica de projetos em sala de aula de forma equivocada, solicitando a seus alunos atividades planejadas por eles ou pela coordenação pedagógica da escola. Alguns esquecem que projetar é sonhar e que ninguém pode realizar o sonho do outro. Se for para sonhar na escola, que seja, então, um sonho coletivo da coordenação, dos professores e também dos alunos, pois, se não for dessa forma, os alunos estarão apenas realizando atividades que alguém propôs. Nesse caso, não estaremos trabalhando com projetos, estaremos apenas utilizando modelos e brincando de projetar. (Extraído de Educacional - Entrevistas)