Este é um plano de aula vencedor do I Concurso de Planos de Aula do Portal Geledés, aplicando a Lei 10.639/03
Plano de aula: A Arte literária e processos de identidade étnico-racial dos afro-brasileiros
Professora: Patrícia Sodré dos Santos
Matéria: Literatura Infantil e relações étnico-raciais
Turma/Série: Educação Infantil
Cidade: Rio de Janeiro Estado: RJ
COMPONENTE CURRICULAR: APLICANDO A LEI 10.639/2003
COMPONENTE CURRICULAR: APLICANDO A LEI 10.639/2003
Projeto “Mangueira teu cenário é uma beleza…”
Creche Municipal Vovó Lucíola“Todo mundo te conhece ao longe
Pelo som dos seus tamborins
E o rufar do seu tambor
Chegou ô, ô, ô, ô
A Mangueira chegou, ô, ô
Mangueira teu passado de glória
Está gravado na história
É verde e rosa a cor da tua bandeira
Prá mostrar a essa gente
Que o samba é lá em Mangueira”
(Exaltação à Mangueira- Jamelão)
Introdução
Sobre a Creche Municipal Vovó Lucíola, Mangueira e seu cenário.
Nossa creche está localizada na comunidade da Mangueira, mais especificamente na Travessa Olaria, rua que liga a via principal do bairro, Rua Visconde de Niterói, ao interior da comunidade. Essa Travessa também fica próxima à Quadra da Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, fazendo dela um acesso privilegiado entre comunidade e Escola de Samba. Por isso, sua movimentação é intensa, principalmente aos finais de semana, quando acontecem eventos dentro e fora da quadra.
A Creche foi construída por iniciativa da própria comunidade e mantida por ela por muito tempo. Somente em 2002 passou a pertencer à Prefeitura do Rio. Seus acessos, bem como a disposição dos cômodos, foram, aos poucos, sendo adaptados para melhor atender às crianças e responsáveis em suas necessidades. Sufocada em meio a outras construções, que foram surgindo com o passar do tempo, a uma primeira vista do espaço da creche vai se confundindo com o cenário dos comércios e moradias que estão ao seu redor.
O atendimento se dá em período integral, no horário de 7:00 às 17:00, a 101 crianças matriculadas e agrupadas em turmas conforme a idade:
- Berçário- crianças de 1 (um) ano a 2 (dois) anos;
- Maternal I- crianças de 2 (dois) a 3 (três) anos;
- Maternal II- crianças de 3 (três) a 4 (quatro) anos.
Vale ressaltar que parte das famílias atendidas da Creche mora num antigo prédio do IBGE, que está abandonado por mais de 10 anos. Tal local apresenta condições sub-humanas de sobrevivência. As pessoas que vivem no prédio são marginalizadas até mesmo pelos moradores do interior da Mangueira, como se esse não fosse um problema da comunidade.
É nessa Mangueira cheia de precariedades, mas que também é conhecida internacionalmente pelo seu cenário cultural, berço do samba, da poesia e da arte, mãe de tantas personalidades famosas e palco de grandes eventos culturais e projetos sociais, que estamos inseridos. É nessa Mangueira constituída quase que na totalidade por negros, pela cultura dos batuques, seja do samba, seja do funk, que estamos inseridos.
Neste sentido faz-se necessário olhar para nossa Creche[1], percebendo essa riqueza oriunda de matriz africana, de contribuição negra, afro-brasileira. Compreendendo o trabalho desenvolvido na primeira infância, saliento a importância de articular propostas pedagógicas que contemplem a Lei 10639/03 e contribuam para abordagem da cultura afro-brasileira na Educação Infantil.
Planejamento mensal
Descrição Inicial
Dentro do projeto “Mangueira teu cenário é uma beleza”, iniciamos o trabalho com a arte literária na Educação Infantil, articulada aos processos de identidade étnico-racial dos afro-brasileiros. O trabalho com livros que tenham como protagonistas afro-brasileiros e/ou façam releituras dos contos africanos em suas narrativas é importantíssimo nessa primeira etapa da Educação Básica. Crianças negras, afro-brasileiras, principalmente as meninas, já passam desde muito cedo por processos de aproximação da cultura eurocêntrica. A manipulação do cabelo (o “feio”, “Bombril”, “duro”, “ruim”) que precisa ser “adequado” aos padrões eurocêntricos é uma forte marca no cotidiano dessas meninas.
Dessa maneira, buscamos trabalhar com a literatura como um instrumento de libertação, de valorização de aspectos étnico-raciais significativos de uma cultura. A estética afro-brasileira, a forma de ser e de agir sobre o mundo, os símbolos e valores, um novo olhar sobre a África, entre outras demandas propiciam um trabalho consciente e significativo que contemplem esses protagonistas, agora com voz e história para contar.
Para esse mês selecionamos duas histórias: “Chuva de Manga”, autor James Rumford, editora Brinque Book e “Os Ibejis e o Carnaval”, autora Helena Theodoro e ilustrações de Luciana Justiniani Hees, editora Pallas, 2009
Temas relacionados: Literatura infantil e relações étnico-raciais; Musicalidade; Famílias; Cuidados; Construção e reconstruções de valores; favela e seu cenário; Estética/ padrões estéticos.
Objetivos gerais
- Contribuir com o debate de reconhecimento e valorização da cultura afro-brasileira nos diferentes âmbitos educacionais, a partir da Educação Infantil (primeira etapa da Educação Básica).
- Desenvolver o tema da arte literária infantil articulada aos processos de identidade étnico-racial dos afro-brasileiros.
- Incluir uma nova leitura sobre o lugar da África na história da humanidade e também sobre o papel dos afro-brasileiros na construção histórica do Brasil, que não seja o do estigmatizado.
- Desconstruir concepções e formas de aprendizados eurocêntricas apreendidas no decorrer da vida de todos nós.
Objetivos específicos
- Vincular a vida cotidiana das crianças à realidade em seus aspectos sociais, culturais e locais;
- Resgatar e valorizar a identidade étnico-racial, social e cultural valorizando as variadas formas de sentir e expressar;
- Criar tempos espaços que favoreçam o percurso criativo infantil através de interações com o outro, com a literatura, com a música etc;
- Ampliar o acervo literário, musical, artístico através de obras de matriz africanas incentivando o gosto pela leitura;
- Oportunizar momentos de fala e escuta;
- Reinventar os caminhos do ser, do conhecer, do saber e do fazer a partir dos aprendizados de matriz africana;
- Criar novos espaços de pertencimento modificando hábitos cotidianos que buscam não empoderar os sujeitos afro-brasileiros.
(Serão realizados dois encontros semanais totalizando 8 (oito): 4 momentos para uma história selecionada + 4 para outra história selecionada)
SEMANA 1
Primeiro encontro:
- Contação de história e roda de conversa
Mostrar o livro, apresentá-lo e iniciar a história. Depois da leitura, as crianças conversam sobre o enredo, exploram as ilustrações (o que tem a ver como o texto lido?). Folhear o livro, ouvir os comentários das crianças, os apontamentos, relacionar histórias já lidas (assuntos, personagens próximos etc.), quanto mais falam, mais pensam sobre a história e observam diferentes detalhes. É importante deixar que as crianças relacionem o livro com a vida delas, ou não.
Propor uma conversa sobre o Tomás, personagem principal da história, e seu lugar, o estilo de vida, o fenômeno da chuva de manga, falar sobre a mangueira, a manga, o florescimento, a vida em comunidade… Viajar sem sair do lugar.
Segundo encontro:
- Quem é Tomás? Onde ele mora?
De acordo com a história, Tomás mora numa aldeia com áreas de seca. Por isso, a simbologia da “chuva de manga”, chuva que cai no início do ano e “vem irrigar o solo para fazer brotar a semente. Abençoadas gotas sagradas de chuva…Chega de mansinho, apaga poeira e ainda garante a frutificação de mangueiras.” Além das imagens do país, levar imagens de diferentes mangueiras presentes aqui no Brasil.
Sentaremos em roda e colocaremos as imagens no centro para poder explora-las, observando as características próprias e singularidades das pessoas e do ambiente. O que temos de diferente? O que temos em comum? Anotar os relatos das crianças para expor junto ás imagens.
- Recontando a história
SEMANA 2
Terceiro encontro
- A mangueira dá manga…vamos comer frutas?
- Nas folhas da mangueira…
Caídas de uma mangueira
Penso na minha escola
E nos poetas de minha
Estação Primeira, não sei
Quantas vezes
Subi o morro cantando
Sempre o sol me queimando
E assim vou me acabando”
(Folhas secas- Nelson Cavaquinho)
Enviar para as famílias retalhos de TNT cortados em formato de folha da mangueira para que escrevam sobre a comunidade em que moram (O que temos na Mangueira? O que mais gosto? O que não gosto? O que e aonde podemos melhorar? Etc.)
Quarto encontro
- Construindo nossa mangueira (ao som de Nelson Cavaquinho)
Depois coletivamente montaremos nossa mangueira. Cada criança irá colar a folha dando forma à nossa grande árvore. Enquanto isso, conversaremos sobre o que está escrito, deixando com que as crianças comentem livremente. Ouviremos também a música “Folhas secas” de Nelson Cavaquinho.
SEMANA 3
Quinto encontro
- Contação de história e roda de conversa
Realizar o mesmo processo de leitura de textos literários, como foi orientado anteriormente com a roda de leitura do livro “Chuva de Manga”. Propor uma conversa sobre os personagens principais e todo enredo. A família, formas de vida (a vida no morro, favela), a questão do nascimento de uma criança, a vivência e o valor positivo do Carnaval (o resgate da simbologia do mestre-sala e da porta-bandeira). Ouvir o relato das crianças e anotar para expor.
Confeccionar desenhos, pinturas que possam ilustrar nosso registro dos relatos sobre a história.
Sexto encontro
- Os Ibejis da história, os Ibejis da turma
Fazer brincadeiras de roda que possamos dançar em pares.
- Tem batuque na minha casa? Na minha rua?
SEMANA 4
Sétimo encontro
- Instrumentos afro-brasileiros citados na história
– Confeccionar instrumentos musicais com sucata para fazermos nossa banda;
– Encontro com os convidados: Roda de samba com Du Melodia (pai do Eduardo) e os ritmistas da bateria (Saulo, pai do Arthur; Gabriel, pai do Miguel e Jorge pai do Roger)
Oitavo encontro
- Visita ao Centro Cultural Cartola- O samba é nosso! [Patrimônio Imaterial nacional]
http://www.cartola.org.br/projetos.html)
– Propor uma visita à este espaço fazendo uma conexão entre Creche-família- comunidade. A faixa etária das crianças atendidas em nossa Creche não é contemplada no Centro Cultural Cartola, porém, acreditamos que é importante ocupar estes espaços, ainda mais quando faz parte da comunidade em que moram. Foi sugerido pela coordenação uma visita ao Museu do Samba Carioca. O museu tem a intenção de promover a educação patrimonial através de seu acervo, mergulhando na história das escolas de samba do Rio de Janeiro. Reúne fantasias que remetem às alas mais tradicionais dentro das escolas; a variedade das matrizes do Samba Carioca de acordo com os parâmetros do IPHAN (Partido-Alto, Samba de Terreiro e Samba-Enredo). Mostra também, os principais instrumentos que compõem a bateria de uma Escola de Samba.
– Lanche coletivo com as crianças e as famílias
Avaliação
A avaliação é contínua e de cunho formativo, portanto a criança tem seu processo de aprendizagem e desenvolvimento seguido de registros constantes. O processo de avaliação é fundamental para compreender a potencialidade, tanto das crianças e suas especificidades quanto do grupo como um todo, e com ela poder intervir adequadamente.
Utilizamos diferentes tipos de instrumentos de observação, registro e análise tanto para o acompanhamento das aprendizagens das crianças, quanto para o processo pedagógico e a metodologia de projetos. São eles: entrevistas com as famílias, registros de educadores, relatórios de acompanhamento das aprendizagens das crianças, registros visuais (fotos), relatos por escrito das atividades realizadas em sala.
Sentiremos no dia-a-dia o quanto as atividades propostas chegarão ou não até as crianças. Os olhares, os comentários, a vivência significativa de cada etapa são termômetros para nós, educadores. Contamos com a participação das crianças na busca por histórias em que elas se reconheçam. Viajaremos a partir de muitas delas, ampliando nosso acervo literário e visão de mundo.
Em síntese, acreditamos numa avaliação participativa envolvendo todos os agentes presentes no processo de ensino-aprendizagem / aprendizagem-ensino, verificando o que aprendemos e buscando cada vez mais.
Referências Bibliográficas
CANDAU, Vera Maria (org). Educação intercultural e cotidiano escolar. Rio de Janeiro: 7 letras, 2006.
COMITTI, L. Leitura, saber e poder. In MARTINS, A.; BRINA, H. e MACHADO,M.Z (orgs). A escolarização da literatura literária. O jogo do livro infantil e juvenil. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.
GOMES, Nilma. Sem perder a raiz: o corpo e o cabelo como símbolos da identidade negra. 2° edição. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.
LIMA, Heloisa. Personagens negros: Um breve perfil na literatura Infanto-Juvenil. In: MUNANGA, Kabengele. (org) Superando o racismo na escola. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Fundamental, 2001.
MUNANGA, K. (org). Superando o racismo na escola. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Fundamental, 2001.
RUMFORD, James. Chuva de manga. São Paulo: Brinque Book, 2005.
SOARES, Magda. A escolarização da literatura infantil e juvenil. In MARTINS, Aracy, BRINA, Heliana, MACHADO, Maria Zélia (orgs). A escolarização da leitura literária. O jogo do livro infantil e juvenil. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.
SOUZA, Ângela; SODRÉ, Patrícia. Literatura infanto-juvenil e relações étnico-raciais no Ensino Fundamental. In CANDAU, Vera Maria (org). Didática Crítica Intercultural: aproximações. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.
THEODORO, Helena. Os Ibejis e o Carnaval. e ilustrações de Luciana Rio de Janeiro: Editora Pallas, 2009
[1]A Creche Municipal Vovó Lucíolarecebe o nome de uma moradora da Mangueira, uma representante feminina, mãe, avó, parteira que faleceu em 2011 com seus 110 anos.
3/6/2014
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